Uma cidade, dois idiomas: Montreal

Montreal é uma cidade onde se pode falar igualmente dois idiomas: inglês e francês. Nosso colaborador Denis conta como foi sua experiência ao ter que se dividir entre essas duas línguas.

Ilustração por Denis Fracalossi

É provável que a conversa entre os dois amigos sentados na mesa ao lado não chamasse minha atenção não fosse por um detalhe bastante peculiar: a mistura incessante e, à primeira vista, absolutamente aleatória, de frases em francês e inglês. Estou em Montreal e, pelo jeito, diálogos bilíngues são bastante frequentes por aqui.

Mesmo tendo chegado à cidade com o mínimo de conhecimento sobre sua história de colonização francesa e dominação inglesa, eu estava totalmente consciente de que ambas as línguas eram faladas nesta parte do Canadá. Porém, confesso que não imaginava que as pessoas conversassem usando os dois idiomas ao mesmo tempo.

Claro que essa nem sempre é a regra. Na maioria das vezes, as pessoas se comunicam usando inglês ou francês — e o idioma no qual transcorrerá a conversa costuma ser decidido de forma bem simples, inclusive sem a necessidade de se perguntar explicitamente por uma preferência. Basta entrar em alguma loja ou se dirigir a qualquer balcão de informações para perceber: você será sempre recebido com um “Bonjour, hi!”. A partir daí, basta continuar o diálogo no idioma que você quiser.

Foi isso o que aconteceu quando, para escapar da neve que caía em quantidades colossais, entrei em uma cafeteria, pedi um brownie e um café au lait e procurei um lugar onde pudesse me sentar para ler um pouco. Mas a leitura acabou não indo tão longe, pois logo me vi distraído pela conversa dos estudantes Michael Galante (21) e Cedric Huet (22), ambos nascidos em Montreal, porém com diferentes línguas maternas.

Michael vem de uma família anglófona, mas, quando criança, foi matriculado pelos pais em uma escola de língua francesa para que aprendesse melhor o idioma falado pela maioria dos habitantes da cidade. Quando passou para o Ensino Médio, preferiu se mudar para um colégio de língua inglesa. Já Cedric, de origem francesa, sempre estudou em escolas francófonas — em seu caso, o inglês foi aprendido como língua estrangeira. “Gosto muito de falar inglês e intercalar os dois idiomas”, diz Cedric. “Mas, por ser de família francófona e por estudar em uma universidade em que as aulas são majoritariamente em francês, acabo usando muito mais minha própria língua materna do que o inglês no dia a dia. É por isso que tento falar inglês sempre que estou com amigos anglófonos. Desse jeito, consigo me sentir cada vez mais confortável com o idioma e vou aprendendo melhor.”

Apesar de não terem nascido bilíngues — a capacidade de se expressar em dois idiomas foi adquirida mais tarde —, os dois amigos afirmam não terem maiores dificuldades ao praticar o code-switching isto é, a alternância entre códigos linguísticos durante uma mesma conversa. “Na verdade, eu penso tanto em inglês como em francês. E às vezes, inclusive, sonho nos dois idiomas. O que acontece é que existem algumas expressões ou frases que acabo usando mais em uma língua ou na outra. E, na hora de conversar com alguém, acabo escolhendo o idioma que vem primeiro à minha mente, sem pensar ativamente sobre isso. No final das contas, o resultado é o que a gente chama de franglais, a mistura de francês (français, em francês) com inglês (anglais)”, conta Michael.

É claro que essa situação varia sempre de acordo com quem está participando da conversa. Tanto no caso de Michael como no de Cedric não surpreende que eles estejam acostumados a usar dois idiomas simultaneamente. Afinal, a maior parte de seus amigos também é bilíngue. Na verdade, segundo o censo de 2011, mais da metade da população de Montreal domina tanto o francês como o inglês. E esse porcentual é ainda mais elevado entre jovens de 15 a 24 anos de idade: 79,3% deles dizem ser capazes de se comunicar nos dois idiomas. De toda forma, existem também na cidade pessoas que não são bilíngues, especialmente gente que sabe falar francês, mas não inglês. De acordo com o mesmo censo, 37% da população tem conhecimento apenas de francês e 7,4% apenas de inglês.

Ao saberem que seu interlocutor é bilíngue, alguns montrealenses com quem conversei disseram experimentar uma certa sensação de liberdade e confiança — e isso não só por poderem se expressar em sua língua materna com a certeza de que o outro estará entendendo o que dizem, mas também por estarem diante da oportunidade de aperfeiçoar seu segundo idioma sem medo de cometer erros, pois sentem que poderão recorrer à sua língua materna no caso de alguma dúvida ou mal-entendido.

Aliás, por falar em mal-entendido, seria prudente evitar um aqui também: é importante deixar claro que as razões que levam uma pessoa a se decidir por uma língua ou outra na hora de conversar com alguém não são de caráter puramente egoísta. Muito pelo contrário. A alternância de idiomas praticada pelos habitantes de Montreal tem também muito a ver com cordialidade, pelo que eu pude perceber. Por exemplo, se, ao entrar em um elevador, você cumprimenta a pessoa ali presente com um “bonjour !” e ouve um “hi!” automático como resposta, pode ter certeza de que, na hora de descer, a pessoa vai desejar a você uma “bonne journée !“… E você, instintivamente, se despedirá com um “bye!“.

Não me lembro agora se disse “thanks” ou “merci” quando agradeci os meninos pela conversa e saí do café. Mas me lembro perfeitamente que, a alguns metros dali, encontrei um cartaz feito a mão por alguém que estava procurando seu gato recém-desaparecido. O cartaz estava escrito, como quase tudo o que se vê por aqui, em francês e em inglês. Até aí, tudo normal. O mais curioso mesmo foi descobrir que o gato em questão sabe obedecer a comandos recebidos nos dois idiomas. Agora resta saber se ele prefere agradar seu dono com um meow ou um miaou!

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Denis Fracalossi

Denis Fracalossi nasceu em São Paulo e se formou em editoração pela ECA-USP. Após passar por diversas editoras e agências de publicidade, estabeleceu-se como tradutor, atividade em que pode exercitar sua paixão por idiomas. Essa mesma paixão, combinada com seu interesse por viagens e sociedades, o levou a deixar o Brasil em 2012 e se aventurar por novas paragens. Atualmente, reside na Alemanha, onde se tornou mestre em edições pela Freie Universität de Berlim.

Denis Fracalossi nasceu em São Paulo e se formou em editoração pela ECA-USP. Após passar por diversas editoras e agências de publicidade, estabeleceu-se como tradutor, atividade em que pode exercitar sua paixão por idiomas. Essa mesma paixão, combinada com seu interesse por viagens e sociedades, o levou a deixar o Brasil em 2012 e se aventurar por novas paragens. Atualmente, reside na Alemanha, onde se tornou mestre em edições pela Freie Universität de Berlim.