Ilustração por Elena Lombardi
Veneza é certamente a mais estranha e fascinante cidade da Itália: será que a ausência de carros faz da cidade um lugar estranhamente silencioso? (Isso, é claro, quando tiramos o barulho dos turistas e dos vaporetti).
Ou será porque, durante o inverno, a neblina cria uma atmosfera mágica nas ruas, nas praças (calli e Campielli) e nos canais? Será que é por causa do fantástico carnaval que atrai milhares de turistas todos os anos? Ou por causa das lendas que permeiam todas as esquinas dessa cidade mística? É difícil ter certeza, mas as únicas coisas que sabemos, de fato, é que Veneza é única e que você deveria ir visitá-la pelo menos uma vez na vida.
Hoje eu não vou falar de lugares turísticos como Piazza San Marco, il Ponte di Rialt ou il Ponte dei Sospiri, embora eu recomende que você vá conhecer esses lugares em algum momento. Mas, se você me seguir, eu vou revelar uma outra cidade a partir de seu dialeto. Você sabia que algumas palavras do dialeto de Veneza não só são palavras oficiais incluídas no dicionário italiano, como também conhecidas e usadas internacionalmente?
A primeira na lista é a mais famosa: ciao é uma contração de schiavo(escravo), e usada como cumprimento que expressa lealdade e confiança. Dizer “ciao” é um modo de mostrar para a outra pessoa ” estou a seu serviço”.
Supreendentemente, ciao apenas se tornou parte da língua oficial italiana no começo do século 20. Ultrapassando os limites do território italiano, a palavra se expandiu rapidamente por vários lugares do mundo, sendo hoje usada com diferentes variações em diversas línguas.
Agora, siga-me e descubra outras 5 palavras de Veneza que dominaram o mundo.
Marionette!
A origem destes bonecos de madeira pode ser traçada até um casamento na Veneza do século 10. De acordo com a tradição do período, dezenas de casais se casavam ao mesmo tempo em uma grande cerimônia. O corteo acqueo (desfile na água) trazia as noivas para a igreja de San Pietro em Castello onde os noivos estavam esperando. Mas, no ano de 944, uma tragédia aconteceu: piratas de Trieste sequestraram todas as noivas (e seus dotes)! Ainda bem que a história teve um final feliz. Os corajosos venezianos foram capazes de capturar os piratas e resgatar as noivas ilesas.
Para demonstrar gratidão à Vergine della Serenissima, A Virgem Maria de Veneza, a cidade decidiu comemorar o evento e perguntar para as famílias nobres e ricas para pagar os dotes de 12 noivas necessitadas todos os anos. As meninas eram chamadas de “Maria” e desfilavam pela cidade em honra dos corajosos soldados venezianos e da generosa Virgem Maria.
No entanto, esta tradição se tornou um problema: os aristocratas da cidade, desesperados para exibir seu poder e sua riqueza, competiram de forma voraz uns contra os outros gastando loucamente seu patrimônio nos dotes das garotas sortudas. Para manter a tradição sem que a nobreza fosse à falência e mergulhando la Serenissima em uma ruína financeira, a República de Veneza decidiu, em 1271, substituir a “Maria” por bonecas gigantes de madeira. A alternativa às noivas ficaram logo conhecidas como Marione (a Mariona ou a grande Maria).
O instinto para negócios dos mercadantes de Veneza teve um papel muito importante. Uma vez que as bonecas se tornaram altamente populares, eles decidiram criá-las em miniaturas para serem vendidas nas ruas como lembrança.
E assim a Marione virou Marionetta (vale lembrar que marionette é a forma plural de marionetta).
Ballottaggio
Durante o período de prosperidade máxima no século 16, Veneza não era apenas poderosa no sentido comercial e cultural, mas era também muito influente politicamente no Mediterrâneo. A República Serenissima era tão precisa e restrita na eleição do Doge (chefe de estado), que inventou um método bem complicado para assegurar transparência e imparcialidade durante a seleção dos eleitores. O pilar da operação inteira era representado pelo então chamado ballotte, esferas de mármore douradas e prateadas fechadas em uma caixa que eram escolhidas aleatoriamente por senadores para determinar quem seria o eleitor na próxima sessão. O procedimento tinha vários passos e era complicado o suficiente a ponto de fazer a declaração do seu imposto de renda parecer divertida. Porém, o objetivo era garantir que nenhuma família influente teria mais privilégios sobre o voto do que qualquer outra.
E, por que as palavras Ballot e Ballottage são usadas respectivamente em inglês e francês? A razão é muito simples: no século 18, quando as jovens repúblicas dos Estados Unidos e da França tiveram de escolher o seu sistema eleitoral, o sistema veneziano era o único existente no momento.
Imbroglio
Uma famosa expressão italiana diz “Fatta la legge, trovato l’inganno” (feita a lei, encontrada a falha), e se aplica perfeitamente ao que aconteceu com o sistema ballotte: para burlar a democracia, os senadores costumavam se encontrar e tramar em um jardim perto do Palazzo Ducale (onde as eleições aconteciam). O nome do parque era Brolio e * in Brolio* se tornou sinônimo de esquemas de corrupção, e foi rapidamente “italianizado” se transformando em imbroglio.
Pantaloni
Pantalone é o nome de um típico arquétipo da Commedia dell’Arte, geralmente associado com o personagem Arlecchino. Ele é um mercador ganancioso com um visual reconhecível: uma pochete na cintura, uma capa preta, máscara com um nariz grande, uma jaqueta escarlate e uma calça curta, na altura dos tornozelos. As calças ficaram conhecidas como pantaloni por causa desse personagem. Esse novo item de vestuário se tornou muito popular entre a classe trabalhadora veneziana no século 16 (enquanto os nobres ainda usavam calções até os joelhos). Pantaloni também era o apelido que os franceses deram aos trabalhadores de Veneza por causa do novo estilo de calças da cidade. Os franceses adotaram o estilo também, mas o chamaram de pantalon. A palavra então chegou à Grã-Bretanha com um “o” extra, como pantaloon, mas com o passar do tempo a palavra eventualmente passou a ser pants. No Reino Unido, pants é hoje em dia sinônimo de underpants (calcinha, cueca), mas nos EUA essa palavra ainda pode ser usada para calças.
Gazetta
Quando você vai a uma banca comprar o jornal, você deveria saber que, de certo modo, está perpetuando a tradição veneziana do século 16. Naquela época, Veneza estava envolvida na guerra contra o Império Otomano e queria manter os cidadãos atualizados sobre as notícias das linhas de combate. A República pensou que era uma boa ideia publicar revistas pequenas (máximo de 8 páginas) e vendê-las por um preço bem barato, apenas 2 moedas. E adivinhe o nome daquela moeda específica? Gaxeta! O nome entrou para o italiano como gazzetta e, não demorou muito para rolar fora das prensas ao redor do mundo.