Ilustrado por Noam Weiner
No final dos anos 1990, eu virei uma espécie de celebridade na escola. Era o início da febre Pokémon e as crianças pareciam ter sido tomadas por uma histeria coletiva. Eu definitivamente fazia parte do culto.
Para quem não entendeu nada até agora, uma explicação breve: essa série de jogos/quadrinhos/desenhos se passa num mundo onde criaturas fantásticas (chamadas Pokémon) servem os humanos. Os Pokémons exercem todo tipo de função, de colheita a terapia, mas o foco principal são as batalhas entre as criaturas.
Hoje em dia, eu franzo minha testa para esse conceito. Acho que eu acabei entendendo o quão próximas de brigas de galo são as batalhas entre esses monstrinhos. Anos mais tarde, a série se engajou com este tema: o abuso animal. Mas, em 1999, a gente esbarrava em muita coisa de mau gosto.
Enfim, voltando à escola.
Um detalhe me destacava: eu tinha sido alfabetizado nos Estados Unidos. Por isso, entendia o que o jogo estava tentando dizer. A maioria dos meus colegas era capaz de navegar as batalhas, afinal, o jogo era dedicado a crianças. Simples e com repetições constantes. Mas quando um vovô pedia para você entregar uma boneca para um fantasma, a coisa ficava mais complicada. Por muitos recreios, eu fui soterrado por perguntas.
E não fui o único.
Era fácil perceber quando um aluno fazia uma pergunta pokemônica durante a aula de inglês. A professora, coitada, fazia o melhor que ela podia, mas era complicado responder algumas perguntas sem o contexto das… bom, brigas de galo.
Eu me lembro de um aluno perguntando o que era “ice beam“. Vejam, ice é uma tradução simples, vai ser sempre “gelo”. Já beam é uma palavra que depende muito do contexto. A confusa professora entrou numa explicação sobre construção civil, quando, na verdade, ela devia estar falando sobre raio laser.
De qualquer forma, as crianças de 9 anos estavam se esforçando de coração para aprender sobre os rebocos das cavernas de gelo em outro idioma.
Um verdadeiro sonho de professor de ensino fundamental.
Jogando limpo, mas hackeando o cérebro
O cérebro é a máquina mais complexa que nós encontramos até agora no universo. Mas, no fim das contas, ainda é uma máquina – entender os elementos básicos dessa transmutação entre o jogo e a língua inglesa na sua mente não é tão complicado.
Jogar é um fenômeno natural – muitos outros animais apresentam esse comportamento na natureza – e também uma atividade com muitos propósitos. Vamos simplificar a vida e assumir que uma criança de 10 anos jogando videogame está em busca de realização pessoal, liberação do estresse e convívio social.
Veja bem: o moleque ou a guria não estão atrás de conhecimento. Eles vão apenas esbarrar nele. Mas como?
Quando você sente prazer, o seu cérebro dispara um neurotransmissor chamado dopamina. Eu sei, eu sei, essa palavra acabou marcada por tediosos testamentos contra ou a favor dos Prozacs do mundo. Não se preocupe, não é disso que eu vim falar hoje.
A dopamina afeta algumas partes distintas do cérebro. Para nós (e para os Pokémons), duas merecem uma atenção especial. A primeira é o Córtex Pré-Frontal – responsável pela formação da personalidade, tomada de decisões complexas e… bom, de uma forma geral, vontade de viver. Quando a dopamina chega aqui, ela dispara uma reação de criação de comportamentos. Basicamente, é a sua mente dizendo “Uh! Isso foi bom! Faça outra vez!” e criando os mecanismos necessários para que você, de fato, vá lá e faça outra vez. Quem diria que a nossa personalidade seria criada nesse mesmo espaço?
A segunda parte importante é o Hipocampo – que cuida da transformação da memória de curta duração em memória de longa duração. Ou seja, é a sua mente dizendo: “Uuuh! Isso foi bem bom! Vamos lembrar exatamente como aconteceu”. O seu bibliotecário interno vai querer guardar as melhores partes, nenhuma surpresa aqui.
Quando o seu monstrinho vence uma batalha difícil, esse é o sistema ativado. Você sente prazer! Mais tarde, você vai querer ligar o jogo outra vez porque o seu córtex trabalhou. Quando alguém perguntar o nome dos seus oponentes, você provavelmente vai lembrar porque o seu hipocampo não estava de bobeira.
O mesmo processo se aplica quando você aprendeu que “ice beam” significava “raio de gelo” ou quando finalmente desvendou o mistério do que fazer com aquela boneca Pokémon que o velhinho deu para você. O inglês estava inserido num ambiente repleto de dopamina, o seu cérebro começou a registrar que aprender essas expressões era divertido. Ele começou a se lembrar de cada termo e pedir para fazer mais, tudo num processo orgânico.
Não estou aqui clamando que um jogo é mais importante do que uma aula de inglês. Muito menos que ele substitui uma prova – as provas ocupam outro lugar no espectro do aprendizado, muito mais ligadas ao lado sociocultural do que ao lado cognitivo. Mas é inegável que as escolas (ou talvez a minha escola?) poderiam usar um pouco mais de dopamina no ensino, afinal, é um atalho!
Talvez elas não precisem se esforçar muito. Desde a explosão de jogos do final de 2010, o número de games de qualidade só tem aumentado no mercado. Incríveis jogos que trabalham com conteúdos de história e ciência já estão disponíveis por aí. Com sorte, o mesmo processo que facilitou o aprendizado de inglês vai conseguir abraçar outros tópicos.
Jogos são um apoio, a ferramenta é a curiosidade
Na verdade, pouco importam os jogos. O mesmo fenômeno poderia ter sido provocado por uma série de TV ou um livro. A verdadeira arma para um aprendizado cheio de dopamina é a curiosidade.
Se você parar para pensar, a curiosidade funciona de maneira semelhante a um jogo. Você sana dúvidas – dopamina. Inevitavelmente, procurar respostas gera outras dúvidas, que botam você no ciclo outra vez. Qualquer residente da internet que já tenha caído num buraco negro da Wikipédia – lendo um artigo depois do outro (muitas vezes não terminando e seguindo alguma tangente) – sabe do que estou falando.
Você pode fazer um experimento agora mesmo.
Se você está tentando aprender ou aperfeiçoar uma língua, em vez de procurar um livro ou uma aula on-line, tente escolher um tema que interesse muito, muito mesmo, e vá atrás dele nesse idioma.
Você gosta de tudo sobre o Vale do Silício? Vai curtir este podcast.
Um dia feliz para você é um dia no museu? Dê uma olhada nisto.
Na verdade, você não consegue parar de pensar na inevitabilidade do fim do universo? Sem problemas!
Dopamina não é reservada apenas para quem ainda não chegou à faculdade. É um sistema que eu, você e todos nós usamos o tempo inteiro.
Mas que tal ficar no comando?