Aos 22 anos, minha mãe fez o que muitas pessoas fazem, deixou a vida no interior para ir morar na capital, e pensou também que deixou para trás tudo aquilo que achava antiquado para viver o que havia de mais moderno na cidade grande. Porém, as coisas não seriam tão fáceis quanto ela imaginava. Minha mãe era uma jovem muito bonita e, por conta disso, foi bastante assediada. Logo que chegou, um amigo da cidade natal dela, que já estava morando na capital há muito mais tempo, a levou para uma loja de discos e a colocou para escutar um álbum do Bee Gees em uma cabine, quase um aquário de vidro. Do lado de fora, ele ficava apontando para ela e dizendo para os conhecidos que aquela era a sua namorada. Minha mãe dizia que ele fazia isso, pois tinha vergonha de apresentar ela aos amigos por causa de seu sotaque.
As imigrações no Brasil são parte importante da nossa história, e minha mãe era filha de descendentes de imigrantes alemães. Sua língua materna foi o alemão e, depois de muito tempo, já na escola, ela aprendeu o português. Agora imagine como uma alemã fala português, depois de frequentar um curso de idiomas por alguns anos. Essa era a minha mãe. Ela abria a boca e as pessoas davam risada do jeito que ela falava.
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Dezessete anos depois desta transição, minha mãe casou e mudou mais uma vez para o interior, mas para uma região distinta daquela em que nasceu. Eu nasci, e cresci vendo minha mãe falar alemão com algumas poucas pessoas da cidade, sempre mulheres com idade para serem minhas avós, ou então quando minha avó materna visitava a família. Parecia quase uma língua secreta, que minha mãe e suas “parceiras de crime” sussurravam na sala de estar.
Eu e meus irmãos pedíamos para nossa mãe nos ensinar a falar alemão, mas o trauma dela não permitiu que isso acontecesse. Ironicamente, minha irmã viveu por 12 anos na Alemanha, e eu estou em Berlim há nove anos.
Essa é a história da minha mãe, parecida com a de muitas pessoas que têm alguma ascendência estrangeira. Para se ter uma ideia, meus avós maternos tiveram cinco filhos, todos falavam alemão de berço; destes, quatro tiveram filhos. Ao todo, somos 10 primos e primas, e nenhum fala alemão, com exceção da minha irmã e de mim, que escolhemos morar na Alemanha aos 18 e 27 anos, respectivamente. Afinal, com tantas imigrações no Brasil, como não falamos mais idiomas?
O preconceito como fator de aniquilação
Se você me perguntar por que não se fala mais idiomas em um país como o Brasil, que teve uma história extensa de imigração no início do século XX, entre os meus palpites estaria, com certeza, o preconceito.
No sul do país, em que tivemos a chegada de muitos imigrantes alemães e italianos – entre outros – se usava bastante a palavra “colono” para se referir a essas pessoas. Etimologicamente, “colono” vem do latim colonus, que significa “pessoa instalada numa nova terra”, que, por sua vez, vem de colere, que significa “habitar”, “cultivar”, “respeitar” e “guardar”. Contudo, dizer que alguém é colono hoje em dia possui uma conotação pejorativa. Ou seja, se tornou uma ofensa.
O mesmo acontece com “caipira”. Esse termo tem origem na língua Tupi e significa “cortador de mato” que, por sua vez, remete a ka’a pora, “habitante do mato”. Entretanto, a palavra “caipira” é usada hoje para se referir de forma depreciativa a quem mora no interior e, normalmente, está associada à ignorância e ao sotaque com a letra “r” acentuada. Essa expressão é bastante usada na região do estado de São Paulo e isso não é uma coincidência.
Por volta de 1866 e 1867, após a Guerra Civil dos Estados Unidos e o fim da escravidão por lá, um número considerável de famílias sulistas migrou para a cidade que hoje conhecemos como Americana, pois o Brasil ainda era um dos únicos países no mundo que permitia a escravidão na época. Agora, pense no sulista norte-americano falando português e você terá o sotaque com o “r” bem mais acentuado.
É claro que os imigrantes alemães, italianos, japoneses, estadunidenses precisavam se adaptar ao novo país e, falar o idioma local é um grande fator de integração. Contudo, o fato das novas gerações destas famílias de imigrantes não terem se conectado com a cultura dos seus ancestrais através do idioma, pode ter aberto uma lacuna que, hoje, não é mais passível de recuperação.
A valorização das imigrações no Brasil e uma nova consciência
Felizmente, com a globalização veio o entendimento de descentralização, e as atuais gerações já enxergam a necessidade de apropriação das raízes culturais de suas famílias. Um exemplo disso é a quantidade de escolas bilíngues espalhadas pelo país nos últimos anos.
Para se ter uma ideia, o mercado de escolas bilíngues apresentou índices de crescimento entre 6% e 10% só nos últimos cinco anos. Esses números são de um levantamento realizado pela Associação Brasileira do Ensino Bilíngue (Abebi), em 2018, e mostram uma mudança de comportamento.
O que as gerações passadas deixaram de lado, aos poucos, as atuais estão tentando resgatar – mesmo que ainda seja acessível para uma pequena parte da sociedade.
O que você acha das imigrações no Brasil? Qual o efeito que elas tiveram na nossa história, na forma como aprendemos idiomas? Neste texto está a minha opinião, qual é a sua?