Um dos aspectos que considero mais interessantes em se viver em outro país é poder interagir com as pessoas (seja com pessoas que nasceram aqui ou colegas de fora também, estrangeiros como eu). Com bate-papos informais, pequenos contatos ou até mesmo trombadas em pessoas estranhas em um metrô lotado, aprendi muito sobre outras culturas, idiomas, culinária etc.
Esse aprendizado até se tornou uma via de mão dupla, uma vez que é bastante comum as pessoas de fora se interessarem pelo Brasil durante uma conversa. Na realidade, ao menos nas minhas experiências vivendo em diversos países europeus, as primeiras interações mais prolongadas com moradores locais quase sempre resultam naquilo que, com o passar dos anos, apelidei sarcasticamente de “a lei do de onde você é”. O que me levou a perguntar e questionar: afinal, qual é realmente a imagem do Brasil no exterior?
Em resumo: assim como a terceira lei de Newton sustenta que para cada ação há uma reação igual e oposta, alguém de um país estrangeiro vai ouvir nos primeiros minutos de conversa variações da pergunta “de onde você é?” (Where are you from?, ¿De dónde eres?, Di dove sei?, D’où êtes-vous?, enfim, as possibilidades são infinitas).
Há um interessante debate sobre as implicações subliminares desta pergunta, mas esse é um assunto para outro texto. Como essa interpelação parece ser inevitável, procuro sempre respondê-la com um sorriso e uma dose de boa vontade: “Brasil!”, digo. E já vou me preparando para ouvir esteriótipos e comentários um tanto vergonhosos/machistas, e respondendo parcialmente a pergunta do título do texto, às vezes a imagem do Brasil no exterior não é a das melhores.
E, felizmente, nem sempre é assim. Muitas pessoas na Europa sabem bem mais a respeito do nosso país do que dizem os clichês. Em uma era de fácil acesso à internet, informações sobre os mais diversos aspectos do mundo estão disponíveis a um clique de quem as deseja. É claro, contudo, que temas como futebol, “sensualidade” e violência pipocam como pragas em conversas, mas bastante gente do velho continente tem vasto conhecimento da cultura e política brasileira, entre outros tópicos.
Em 2015, um vendedor de um tradicional mercado livre de Sarajevo, capital da Bósnia-Herzegovina, me surpreendeu. Enquanto eu escolhia um presente de casamento, respondi por quase 20 minutos a perguntas complexas sobre os protestos contra a Copa do Mundo, Olimpíadas e a crise do então governo da ex-presidente Dilma Rousseff. Aquele senhor, habitante de um país dos Bálcãs em reconstrução depois de uma guerra civil catastrófica, não só sabia nomes de alguns parlamentares brasileiros, como também acompanhava curioso a nossa situação política!
Isso não é incomum. Uma quantidade grande de pessoas na Europa se interessa pela nossa economia e política. Amigos italianos e portugueses, por exemplo, acompanharam de perto as últimas eleições presidenciais e me fizeram diversas perguntas para entender melhor a situação do Brasil. Minha colega de apartamento húngara até escreveu um artigo no mestrado sobre o pleito de 2018! Com um empurrãozinho meu para a escolha do tema, claro!
Entre meus antigos colegas de trabalho em Sarajevo, o Brasil ainda estava em evidência devido à Copa do Mundo e aos Jogos Olímpicos (algo esperado naquela época). Também teve quem comentasse sobre novelas, pobreza e exclusão social.
Um assunto que sempre surge em conversas sobre o Brasil é a beleza natural das terras tupiniquins. Após décadas de exposição global nas mais diferentes mídias (cinema, televisão, literatura etc), quase todo mundo conhece o Rio de Janeiro. Outras pessoas já ouviram falar de praias magníficas no nordeste.
Como bom paulista (embora mineiro de nascimento), sempre procuro explicar aos europeus que a Cidade Maravilhosa é, sim, fantástica, mas nem de longe resume tudo o que temos a oferecer. Salvador, na minha opinião, é tão incrível quanto a terra de Chico Buarque. Fortaleza, Natal, Belo Horizonte e Bonito valem muito uma visita. E também não perco tempo para defender que visitem a região da Amazônia.
É aí que, em geral, surge uma pergunta bem comum: mas é seguro viajar pelo Brasil? Essa é uma questão válida, pois o noticiário internacional repercute com alguma frequência crimes violentos ocorridos no país. Costumo responder que sim, apesar dos pesares. Só é preciso “ficar esperto”, “não dar mole”, “prestar atenção nas suas coisas”. Ao que muitos respondem: “Como assim?”.
Eis que entra em cena a diferença entre o conceito de autopreservação brasileiro (falo aqui do meu caso, embora possa ressonar com outras pessoas) e aquele de quem nasceu na Europa. Para mim, que cresci na megalópole São Paulo, está encravado no meu subconsciente não ficar exibindo o celular/câmera/iPad/joia no meio da rua para todo mundo ver, por exemplo.
Isso não significa que não tire fotos quando estou no Brasil. Apenas procuro ser discreto, capturar uma imagem e guardar meu equipamento na mochila até usá-lo de novo. Ou seja, nada de câmera pendurada no pescoço. Também presto atenção no que está ao meu redor e não costumo visitar sozinho áreas que não conheço.
Quando explico isso, muitas pessoas aqui na Europa consideram preocupante esses nossos “cuidados/paranoias” – enquanto eu acho tudo bem normal. Para quem provavelmente cresceu em locais mais seguros (até pegando carona com estranhos na estrada!!) e sem muito furtos, pode até ser um conceito estranho mesmo de se entender.
Certa vez, quando estava na ilha de Creta (Grécia), um amigo me contou que o avó dele havia passado algum tempo no Rio de janeiro nos anos 1960. Ele contou aos netos que a cidade era linda, mas muito violenta. Nunca mais voltou ao Brasil e passou essa imagem a sua família, reforçada de certa forma pela realidade. Eu disse a ele que o Rio ainda sofre do mesmo problema, mas é possível visitar o local e se divertir sem grandes problemas.
Na Grécia, aliás, encontrei bastante gente que adorava uma novela verde e amarela. A caminho de um campo de refugiados, uma jovem grega ficou superfeliz ao saber que eu era brasileiro. Poliglota, ela estudava português sozinha e era vidrada nos dramalhões da nossa televisão. Ela me perguntou logo de cara se eu havia assistido à Avenida Brasil e o que achava da vilã Carminha. Eu ri e passamos um bom tempo discutindo os personagens da trama e falas que ela não escutou direito porque precisava aumentar o volume da televisão para ouvir os diálogos em português escondidos sob a dublagem.
A cultura brasileira tem bastante admiradores na Europa. Uma antiga colega de apartamento em Salônica, a segunda maior cidade grega, é alucinada por capoeira. Cheguei a ensiná-la algumas músicas tradicionais da dança e frases em português. Um outro ex-colega de apartamento grego é alucinado por F1, assim como eu. Sempre discutíamos se Ayrton Senna foi o melhor piloto da história da maior categoria do automobilismo mundial, além de expressarmos nossa constante frustração com Felipe Massa.
Até no meu time de futebol em Berlim há admiradores da cultura tupiniquim. Um holandês que morou em Salvador é vidrado no Carnaval da cidade nordestina. Mesmo com os preços de passagens salgados, foi de novo este ano ver Ivete Sangalo, Chiclete com Banana etc.
Esse colega comentou sobre o nosso passado, em especial a invasão holandesa de Pernambuco que resultou no país europeu controlando boa parte da costa brasileira (do Maranhão a Alagoas) entre 1630 e 1654. Mas nem todo holandês conhece essa relação entre os dois países. Um dos meus melhores amigos sabia que o Suriname foi uma colônia holandesa, mas não se lembrava de Pernambuco!
A música brasileira também tem amplos seguidores no velho continente. Existe público para axé, samba, MPB, Sepultura e até os “Ai seu eu te pego” da vida. Lembro-me de uma vez voltar de Oxford para Londres com uma amiga portuguesa, com quem vez ou outra tive acaloradas discussões sobre a colonização do Brasil, cantando Caetano Veloso em um trem vazio. Um exemplo de como compartilhar a cultura ajuda a reduzir as diferenças.
Essas são algumas das minhas interações sobre o Brasil com quem nasceu na Europa. É claro que essas experiências são pessoais e podem não representar a realidade de grande parte de brasileiros na Europa. Amigas brasileiras, por exemplo, infelizmente ainda relatam serem vítimas de comentários machistas que as perseguem no exterior.