Libras: a “principal” língua de sinais brasileira

O Brasil tem mais de 10 milhões de pessoas com alguma deficiência auditiva, mas a Libras não é a única forma de comunicação para essa comunidade.
A garota conversa com o papai no Lingua de sinais

Desde 2002, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) é reconhecida “como meio legal de comunicação e expressão” pela Lei nº. 10.436/2002. Um passo importante para os cerca de 10,7 milhões de brasileiros surdos, dos quais mais de 2 milhões apresentam deficiência severa. Ou seja, quando o governo transmite um comunicado oficial na televisão, há uma tradução simultânea em Libras. Essa lei também facilitou, entre outras coisas, que universidades públicas criassem cursos bilíngues para pessoas surdas.

A Libras, claro, existia muito antes dessa medida. A língua de sinais foi criada “oficialmente” no Brasil em 1857, quando foi fundado o Instituto Imperial de Surdos-Mudos no Rio de Janeiro, hoje Instituto Nacional de Educação de Surdos.

A entidade surgiu quando o imperador Dom Pedro II convidou o professor francês Ernest Huet, que era surdo, para lecionar no Brasil. Como ele ensinava em Língua de Sinais Francesa, a Libras se desenvolveu com base nela (além de incorporar características e vocabulários locais) e até hoje mantém essa influência.

“Ainda há muitos sinais da Libras que são parecidos ou iguais aos da língua de sinais francesa. Logo, alguns sinais sofrem influência daqueles de outras línguas de sinais”, explica a intérprete de Libras Janice Gonçalves Temoteo, docente da Faculdade de Ciências Médicas, na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP).

Como surgem os sinais da Libras?

Primeiro, é preciso esclarecer algo importante: as línguas de sinais não são uma tradução de idiomas orais. Elas possuem estrutura linguística própria, que busca atender às necessidades de seus usuários. Uma língua de sinais pode sofrer influência de outras línguas de sinais, mas os sinais não tendem a surgir com base em línguas orais. “A Libras não é o português nas mãos”, diz Temoteo, também doutora em Psicologia Experimental da Linguagem.

Os sinais surgem naturalmente, conforme a necessidade de expressão dos usuários. Expressões faciais também são parte integral do idioma. E até que haja um conceito para uma palavra/expressão, opta-se pela soletração do termo. Por exemplo, o uso cada vez maior de aplicativos de mensagem e de vídeo conferências fez com que usuários da Libras criassem sinais para essas plataformas. “Hoje, surdos têm acesso ao ensino superior no Brasil, um espaço em que por muito tempo não estiveram presentes. À medida que eles entram nesses espaços, vão criando sinais para teorias, disciplinas, etc”, explica a docente.

Cada país tem a sua versão de línguas de sinais. Ainda que Brasil e Portugal falem o mesmo idioma oral, a Libras e a língua de sinais portuguesa são diferentes e não há correspondência entre elas porque ambas não se baseiam na língua oral.

Desta forma, termos de outras línguas que costumam entrar no português como estrangeirismos (meeting ao invés de reunião, ou deadline ao invés de prazo) não fazem o mesmo caminho na Libras. “Esses termos em inglês só terão sinais criados se não houver um correspondente em português. Mas, durante a pandemia, o uso do aplicativo Google Meet fez com que a comunidade desenvolvesse um sinal para ele”, destaca Temoteo.

O alfabeto

Dê uma olhada nas letras do alfabeto:

Origem: https://www.libras.com.br/alfabeto-manual

Estrutura diferente

O português e a Libras possuem estruturas nem sempre equivalentes. As frases na língua brasileira de sinais costumam ser mais curtas e diretas, ainda que na maioria dos casos adotem o padrão sujeito + verbo + objeto. Por exemplo:

  • Vou ao supermercado hoje de tarde (português)
  • Hoje, supermercado, tarde (Libras)

Há outras diferenças, segundo Temoteo. “Em Libras, às vezes, temos um sinal que traduz uma frase de quatro palavras em português. Quantos anos você tem é, por exemplo, representado por só um sinal. E o contrário também acontece.” Esse contexto também influencia no aprendizado de uma pessoa surda. Temoteo explica que alguém que tem apenas a Libras como primeira língua vai desenvolver sua comunicação pensando na estrutura desse idioma. Logo, pode enfrentar dificuldades quando (e se) for se alfabetizar na leitura e escrita do português, que possui diversas terminações e conjugações verbais ausentes na Libras.

Aprendendo outro idioma

Usuários de Libras podem aprender outros idiomas de sinais. Segundo Temoteo, esse processo ocorre mais comumente pelo “contato presencial com outros surdos ou por meio de algum curso de línguas de sinais”, mas esses cursos ainda não são comuns no Brasil. “A língua de sinais mais usada no mundo é a dos EUA. Lá, a Universidade Gallaudet oferece cursos para a comunidade surda. Então se um surdo brasileiro quiser estudar lá, terá que ir antes para aprender a língua de sinais local. Com o avanço das tecnologias, devem surgir cursos de línguas de sinais online, mas ainda não vejo brasileiros participando deles.”

Apesar de a Libras ter o status de “língua materna” do surdo brasileiro, isso não significa que seja a única utilizada no país. Há línguas de sinais regionais ou indígenas. Em 2019, a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) identificou que entre as pessoas de 5 a 40 anos de idade com deficiência auditiva (muita dificuldade ou que não conseguiam de modo algum ouvir) apenas 22,4% sabiam usar Libras. Entre os que “não conseguiam ouvir de forma alguma”, o número subiu para 61,3%.

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