De onde vêm as diversas línguas na verdade? As pessoas sempre gostaram de falar do desconhecido por meio de metáforas. Quando não há explicação científica para algo, é comum recorrer a histórias mitológicas. Isso também se aplica à questão sobre como surgiram os idiomas. Por que, afinal, são usadas palavras distintas assim que uma fronteira é atravessada? Ao tentar entender esse fenômeno, a Linguística muitas vezes se depara com obstáculos. Por essa razão é fascinante observar mais de perto os variados mitos que existem mundo afora sobre a origem das linguagens humanas. Da Bíblia ao Império Asteca e da Austrália à China: neste artigo, embarcamos em uma viagem ao redor do planeta analisando 80 – ou quase 80 – lendas que falam sobre como os idiomas nasceram entre os povos.
O surgimento das línguas: a história bíblica da Torre de Babel
Essa é uma das narrativas mais conhecidas da Bíblia. Nós, da Babbel, até devemos nosso próprio nome a ela, com um “b” extra. A história é encontrada no Livro de Gênesis, o primeiro da Bíblia, depois do Dilúvio. Graças à Arca de Noé, alguns seres vivos da Terra são salvos e retomam suas atividades. Naqueles tempos longínquos, todos falam a mesma língua. Mas, quando as pessoas decidem erguer uma grande torre para alcançar o céu, elas são punidas por Deus. A fim de evitar a construção, ele torna impossível o diálogo entre os humanos. A comunicação trava e as pessoas não se entendem mais – foi assim que surgiram os diferentes idiomas. Com isso, a Torre de Babel foi sendo lentamente esquecida e os humanos foram se agrupando em comunidades linguísticas espalhadas pelo planeta. O nome Babel está relacionado à Babilônia, uma antiga cidade da Mesopotâmia, cujo nome agora encontramos na província iraquiana de Babel (ou Bâbil).
Lendas africanas sobre a origem das diferentes línguas
Uma grande variedade de idiomas é falada na África. Desse modo é fácil imaginar que uma narrativa cheia de símbolos e metáforas foi igualmente usada ali para tentar explicar a origem das diversas línguas. As histórias contadas na região também falam que pretendia-se quebrar a harmonia entre as pessoas. No entanto, desta vez, não foi a construção de uma torre que desencadeou a ira do Todo-Poderoso, mas sim uma fome devastadora que quase enlouqueceu as pessoas. Depois que o mal desapareceu, ele deixou para trás um verdadeiro rastro de horror pois, de uma única língua, surgiram várias. Cada aldeia, que havia ficado isolada durante a crise de fome, passou a falar um idioma próprio.
Em parte, as lendas dos diferentes povos do continente africano se assemelham. Na África subsaariana, por exemplo, diz-se que pessoas arrogantes queriam construir uma torre para alcançar seu criador, Nyambe, mas que, como a estrutura colapsa, muitas pessoas perderam a vida e o caos começou a dividir quem restou. O antropólogo James George Frazer foi um dos primeiros pesquisadores ocidentais a estudar as crenças africanas sobre a origem das línguas.
Mitologia chinesa: é do fogo que nascem os idiomas
Segundo o folclore da China, a diversidade das línguas regionais é explicada com a ajuda de Pangu, um gigante que nasceu do caos que existia nos primórdios da história. Após sua morte, seu corpo se torna o planeta em que vivem os mais antigos seres humanos. O primeiro casal da humanidade, preocupado que seus três filhos não podem falar, implora ao céu que os ajude e pede a Deus que corte um bambu em três pedaços. A mãe, enquanto isso, faz uma grande fogueira para aquecer a casa. Em seguida, a família se reúne e joga, um depois do outro, os pedaços de bambu nas chamas. Toda vez que um deles pega fogo, uma das três crianças grita com um som diferente. Segundo a lenda chinesa, cada um desses rugidos é a base para um dos idiomas que são falados pelos três principais grupos étnicos do país: Lisu, Han e Li.
Rastreando as origens das línguas no restante da Terra
Após passarmos pela África e pela Ásia, vamos agora para a Austrália. Apesar de o inglês dominar amplamente a região hoje em dia, nem sempre foi assim. Os idiomas dos aborígenes, a maioria dos quais hoje ameaçados de extinção, já foram muito vivos e diversificados. Apenas poucos séculos atrás, havia várias centenas deles. Portanto, era preciso encontrar uma maneira de desvendar o mistério dessa riqueza linguística. Na Ilha de Croker, na costa da Austrália, o povo Iwaidja usufrui de um simbolismo moderno ainda para tempos atuais. Embora o idioma seja falado somente por umas 100 pessoas, sua cultura segue reverenciando a fertilidade e reconhecendo na mulher como a principal figura no ciclo da vida. Segundo esse grupo de aborígenes, a primeira mulher da história, Warramurunguji, dá à luz vários descendentes e atribui a cada um de seus filhos um território e um idioma.
Também na Austrália, em Encounter Bay (que parece estar à altura de seu nome), é novamente uma mulher que nos ajuda a rastrear a origem da diversidade linguística no mundo. Trata-se de Wurruri, uma velha malvada que costumava roubar com poderes mágicos o fogo dos homens à noite. Quando ela morre, os homens atormentados por sua magia negra ficam tão felizes que esquartejam seu corpo para comê-lo! Mas Wurruri, mesmo morta, não desiste de dar uma última cartada. Os homens que participam do ritual são vítimas de um estranho envenenamento. Subitamente, a língua deles é de tal forma contaminada que eles não podem mais se comunicar entre si.
Já do outro lado do mundo, entre os astecas, algumas nuances da Torre de Babel voltam a ser encontradas. Como na Bíblia, há uma enorme enchente na Terra e apenas um casal sobrevive: Xochiquetzal, a deusa do amor e da beleza, e seu marido Coxcox. Isolados no topo de uma montanha em Culhuacan, eles dão início a uma grande família. Mas a maldição parece persistir, uma vez que todos permanecem em silêncio. Em desespero, os pais rezam para o Grande Espírito, que manda uma pomba à Terra. Através dela, cada criança aprende a falar uma língua. Em seguida, os descendentes de Xochiquetzal e Coxcox se espalham em todas as direções para fundar diferentes civilizações. De acordo com os relatórios do missionário Fray Pedro de los Ríos, do século XVI, existem na América Central outras lendas que se assemelham à da Torre de Babel. Por exemplo, o mito em torno da construção da Grande Pirâmide de Cholula no México, cujo nome Tlachihualtepetl significa “montanha artificial” em Nahuatl. Sete gigantes que haviam sobrevivido ao Dilúvio decidem construir tal pirâmide gigantesca. Entretanto, ela é queimada pelos deuses furiosos. A forma desses gigantes se assemelha à dos Titãs na mitologia grega. Outro missionário, Diego Durán (um contemporâneo de Pedro de los Ríos) foi quem registrou esse folclore.
Mesmo com disparidades, encontramos sempre a mesma ideia original por todos os mitos – de uma língua universal a ser estilhaçada em inúmeras partes por meio de uma catástrofe irreversível. Felizmente, entre a Torre de Babel e o aplicativo Babbel, o mundo mudou bastante e hoje o aprendizado de idiomas é possível para todos!