O aniversário de diversos deuses ligados a tantos panteões: Jesus, Osíris, Mitra. As festividades druídicas, onde os sacerdotes ingeriam os cogumelos sagrados e muitas vezes nunca mais voltavam do transe. Oh, as festas pagãs!
Religiões são complicadas e muita gente na internet parece pronta para arremessar o Natal numa caixa de “aquela falsa festa cristã” porque outros rituais existiam nessa mesma data, antes de qualquer cristianismo dar as caras.
Porém, rituais são criaturas fluidas: uns se baseando nos outros. Os novos sendo criados entre costuras de diferentes culturas se misturando e aprendendo a conviver.
Uma coisa é certa: independente do calendário e da cultura, uma data em específico foi amplamente comemorada durante toda a história da civilização humana — o solstício de Inverno, o dia mais curto do ano, que pode acontecer entre os dias 21 de dezembro e 6 de janeiro.
Vamos hoje conhecer algumas dessas festas pagãs e suas tradições, todas de certa forma influenciaram em algum nível o que veio a se tornar o nosso Natal.
Festas pagãs: Aniversário de Mitra
O deus dos guerreiros, comumente representado na ação de seu mito central: um homem matando um touro. Mitra (ou Mithras, ou Mythra, muitas versões são possíveis) era a figura central do mitraísmo, uma religião-sociedade-secreta que convidava novos membros por meio de rituais escondidos e grandes banquetes ocultos.
A palavra mitra tem origem incerta: embora vejamos claramente seu nome aparecendo em escrituras romanas, o termo é muito mais antigo. As duas versões mais aceitas são do sânscrito, significando amigo ou amizade; e do indo-iraniano, significando contrato.
De uma forma ou outra, o aniversário de Mitra coincide com o solstício de Inverno — e, portanto, uma celebração que se mostra importante.
Geralmente esse momento era reservado para rituais de passagem, novos membros sendo iniciados na ordem secreta ou membros mais antigos subindo de posição. Os rituais de Mitra normalmente envolviam algum tipo de teste, fosse um questionário ou uma prova de força, mas logo depois desse momento vinha um grande banquete.
No Império Romano, o mitraísmo era comum entre oficiais de alta patente, sendo assim as festas conseguiam ser opulentas (até hoje os arqueólogos encontram talheres de prata com o símbolo do touro escondidos em câmaras secretas).
Festas pagãs: Saturnália
Três, cinco, sete dias consecutivos de festas nas ruas! Pessoas vestidas com roupas particulares! Escravos sendo servidos pelos seus donos e as portas da frente das casas abertas para todos. Na praça principal, o “Rei da Saturnália” está sendo eleito — e ele terá a obrigação e o poder de conduzir as festas.
O ritual de solstício de Inverno dos romanos era mais parecido com o carnaval brasileiro do que qualquer Natal. Mas, mesmo a Sapucaí deixa a desejar comparada à intensidade dessa festa: até as leis da cidade chegavam a mudar durante o festival. Tudo dedicado ao deus da agricultura e riqueza: Saturno.
A irreverência da Saturnália continua mitológica até hoje, depois de mais de sete séculos após sua última edição. Era uma festa sobre sorrisos, muita bebida e comida em oposição direta ao frio e aos dias mais curtos.
Com a extensão do Império Romano, o festival acabou ganhando muitas versões, mas um costume estava sempre lá: a troca de presentes. No caso, os presentes mais comuns sendo figuras de cera ou vasos decorados chamados sigillaria. A idéia dessa troca era fazer o outro rir, por isso vemos em museus mundo afora vasos com pinturas eróticas e ridículas — vestígios de uma festa colossal de séculos atrás.
Festas pagãs: Jole
Em frísio antigo — uma das línguas anciãs que deu origem ao inglês — a palavra jole (ou jule) significa roda. O nome é também utilizado pela festividade Jole pela maneira como os antigos povos protogermânicos enxergavam o ano: para eles, o calendário era uma roda — na parte de baixo os meses com dias mais curtos.
O ponto mais frio e com menos luz do ano, o solstício, era portanto o Ano Novo desses diversos povos.
De cultura a cultura, as tradições do Jole variam, mas uma coisa é sempre presente: a festividade é sobre luz, a celebração da vinda de dias mais longos e mais quentes.
É do Jole que vem a tradição natalina das velas: os vilarejos se esforçavam para ter a maior quantidade de luz possível para a celebração, presenteando uns aos outros com lustrosas velas e até mesmo pendurando velas nas árvores — o que possivelmente foi a origem da árvore de natal.
Era um momento de esperança e otimismo nos meses mais duros. Vale lembrar que os invernos são bem mais duros quando não se tem aquecedor em casa.
Hohoho
De deuses sanguinários a um velhinho voando num trenó, é importante lembrar que todas as tradições citadas vieram de um contexto de clima temperado.
Nas regiões mais ao norte, o dia poderia ter apenas algumas horas de sol, ou talvez sol nenhum. Uma festa como Jole era importante para que os corações mantivessem as esperanças acesas e se lembrassem que o calor logo ia chegar.
Talvez o nosso Natal tenha sido influenciado por Odim e pela Coca-cola, mas uma coisa conseguimos manter: o momento de união e de felicidade em oposição ao frio lá fora.
Feliz Natal!