Cervejas alemãs: Tudo que você precisa saber

Como são classificadas as cervejas alemãs, o que é a Lei da Pureza da Cerveja e por que Rumpelstichen fala: “Hoje eu torro, amanhã eu fermento”? Nós temos as respostas.
cervejas alemas
Ilustrado por Noam Weiner

Qual é a bebida favorita dos alemães? A grande maioria responde: “Cerveja!”. Alemanha e cerveja são praticamente sinônimos. Adivinhe só qual foi a primeira carga que as ferrovias alemãs transportaram: isso mesmo, barris de cerveja! Em 11 de julho de 1836, a ferrovia Ludwigseisenbahn transportou dois barris entre Nuremberga e Fürth. Nós, da Alemanha, celebramos o ato de beber cerveja; não é por acaso que a Oktoberfest atrai milhões de visitantes nacionais e internacionais todos os anos (tanto na Alemanha, quanto no Brasil, onde também ocorre). Segundo um estudo da Statista, em 2016 os alemães consumiram 104 litros de cerveja per capita. Na Europa, ocupamos o segundo lugar no ranking de consumo de cerveja, atrás apenas dos tchecos. Na Alemanha, a cerveja é onipresente. E, curiosamente, quando algo não nos interessa ou não é da nossa conta, dizemos: Das ist nicht mein Bier – “Esta cerveja não é minha”. Nós queremos investigar de perto essa paixão tão germânica e descobrir o segredo das cervejas alemãs. Seja você é um cervejeiro ou uma cervejeira experiente, ou tem apenas curiosidade sobre o tema, aprenda aqui alguns fatos interessantes sobre a cultura alemã e sua cerveja.

Um olhar histórico: cervejas alemãs como bebida do povo

Há milênios, a cerveja é uma bebida popular em várias partes do mundo. Podemos afirmar que onde o pão é assado, a cerveja também é consumida.

Apesar de não se ter provas escritas, acredita-se que os chineses fermentavam cerveja já há 10 mil anos. No Egito, há relatos de que os primeiros bares surgiram em 3.000 a.C. Naquela época, a cerveja era, ao lado do pão, um dos artigos básicos das tumbas egípcias. Os gregos, contudo, não estavam interessados na cerveja enquanto bem cultural, preferindo se dedicar à vinicultura. Os romanos também consideravam a cerveja como a bebida de bárbaros incivilizados – e assim chegamos às regiões da atual Alemanha. Nas proximidades de Kulmbach, na Baviera, arqueólogos encontraram canecas de cerveja de 800 a.C. Isso nos mostra que os germânicos já apreciavam a cerveja desde os primórdios: durante as festividades, a cerveja era fermentada e bebia-se pesadamente – até mesmo dos crânios de inimigos derrotados. Mais tarde, na Idade Média, a cerveja ganhou popularidade como bebida do povo e importante alimento básico. Durante o período de jejum, a cerveja não era só a bebida principal, como também o sustento diário dos frades, uma vez que alimentos líquidos não eram considerados uma violação. Por isso, ela era chamada de pão líquido.

No começo, as cervejas alemãs eram fermentadas com qualquer tipo de cereal disponível. Até o século 16, a cerveja de lúpulo era consagrada como o principal tipo graças à ajuda das cidades hanseáticas e dos mosteiros cervejeiros, pois ela tinha uma validade mais longa, era mais armazenável, mais agradável ao paladar e adequada para exportação.

O que é a Lei da Pureza da Cerveja alemã?

Quem não conhece os famosos pares românticos: Antônio e Cleópatra, Romeu e Julieta, Bonnie e Clyde, cervejas alemãs e decretos alimentares alemães? O selo da Lei de Pureza – Reinheitsgebot – é estampado com orgulho nas cervejas alemãs que seguem a lei à risca. Mas o que essa lei significa? Como já mencionado, por bastante tempo, as cervejas alemãs eram produzidas com toda espécie de cereais. E não era só isso: sementes venenosas de datura, beladona e meimendro eram adicionadas como afrodisíaco. Serragem, raízes, fuligem e breu também eram acrescentados para alterar a aparência e reforçar o gosto.

Para assegurar a qualidade da cerveja – então um alimento básico – o duque Guilherme IV da Baviera, ao lado de seu irmão Luís X, promulgou em 23 de abril de 1516 uma regulamentação para a produção cervejeira, conhecida hoje como Lei da Pureza da Cerveja. Ela declarava que as cervejas deveriam ser fermentadas apenas com água, malte de cevada e lúpulo. Não havia menções à levedura de cerveja porque seu efeito no processo de fermentação não era conhecido na época, assim ela não era reconhecida como ingrediente. Ao mesmo tempo, os preços de cerveja também passaram a ser regulamentados.

A lei de 1516 não foi a primeira do tipo. Regulamentações similares foram emitidas em 1156 em Augsburgo, 1350 em Nuremberga, 1363 em Munique e 1447 em Regensburg. Porém, um dos motivos para a fama Lei da Pureza da Cerveja alemã é sua atualidade. Trata-se da legislação alimentar mais antiga ainda em vigor no mundo. A isso, dizemos: Prost!

Tipos de cerveja: aprenda as diferenças

Por causa da Lei da Pureza, as cervejas alemãs estão restritas aos mesmos ingredientes, porém isso não impede que haja várias diferenças entre elas. Por um lado, nem tudo que consideramos cerveja é fermentado exclusivamente com esses ingredientes específicos. Por outro lado, cervejas produzidas somente com água, malte, lúpulo e levedura também podem apresentar muitas diferenças em relação à proporção, torrefação e cultura de levedura.

As cervejas alemãs são classificadas de acordo com a gravidade original, termo mais conhecido pela sigla em inglês OG – Original Gravity. Por exemplo, uma cerveja tem OG de 12 °P, 120 gramas de extrato por 1.000 gramas de líquido:

 

  • Einfachbier, com OG de 1,5 °P a 6,9 °P
  • Schankbier, com OG de 7,0 °P a 10,9 °P
  • Vollbier, com OG de 11,0 °P a 15,9 °P
  • Starkbier, com OG de 16 °P

Além disso, um fator importante para a variedade das cervejas é a fermentação, que pode ser alta ou baixa. A alta fermentação cria ligações celulares que acumulam bolhas e gases. Assim, após a fermentação, forma-se uma espuma na superfície da cerveja. A alta fermentação exige temperaturas de 15 °C a 20 °C.

Já na baixa fermentação, a levedura decanta nos tanques após o processo. Esse tipo de fermentação precisa de temperaturas mais baixas, entre 4 °C e 9 °C, tenho assim um período de armazenamento mais longo.

Cervejas alemãs – um resumo

Kölsch

  • A Kölsch é uma Vollbier clara, filtrada, de alta fermentação.
  • Tradicionalmente, é degustada em um copo fino, cilíndrico e alto com capacidade de 0,2 litro. De acordo com a região, o copo é chamado de Kölschglas ou Stange.
  • As três marcas de cervejas Kölsch mais populares são Reissdorf, Gaffel e Früh.

Lager/Export

Antigamente, todas as cervejas do tipo Vollbier com OG entre 11 °P e 14 °P eram consideradas Lager. Na Inglaterra, essa denominação ainda persiste. Na Alemanha, porém, o termo passou a ser usado de forma mais limitada nas últimas décadas.

 

  • São chamadas de Lager apenas as cervejas de baixa fermentação com menos de 12 °P OG e que não são classificadas como Pilsen.
  • A partir de 12 °P OG, a cerveja é considerada Export. Como o nome deixa deduzir, a Export é designada para o transporte de longa distância e, por isso, é tradicionalmente mais fermentada a fim de aumentar o prazo de validade.
  • Tanto a Lager quanto a Export podem ser claras ou escuras; o que define a cor é o malte.
  • Lager e Export são consumidas, sobretudo, na Baviera, em Baden-Württemberg e no Vale do Ruhr. A Lager costuma ser servida em copos de chope, e a Export, em canecas de vidro.
  • Marcas de cerveja como Augustiner, Löwenbräu e a Staatliches Hofbräuhaus in München distribuem cervejas Lager claras e escuras. Já a Export é produzida tradicionalmente nos métodos de fermentação de Dortmund, Munique e Viena.

Bockbier

  • A Bockbier é uma cerveja forte, podendo ser até de trigo, de alta ou baixa fermentação, com OG acima de 16 °P e um teor alcoólico mínimo de 6,5%.
  • Diz a lenda que, no século 14, a cerveja era feita em Einbeck e de lá exportada a Munique. Os duques e príncipes gostavam tanto dela que trouxeram um mestre cervejeiro de Einbeck para Munique. A cerveja, conhecida como nach einpöckscher Art – ao estilo de Einbeck –, se popularizou em Munique; com o tempo, o nome longo foi reduzido para Bock.
  • Cervejas Bock escuras são apreciadas sobretudo no Sul da Alemanha. No Norte, bebem-se mais as claras.
  • A Doppelbock é uma versão mais forte da cerveja Bock. Historicamente, ela era produzida pelos monges da ordem Paulaner, fundada por São Francisco de Paula.

Malzgetränk (Malzbier)

  • Poucos sabem que a Malzbier (sem acréscimo de açúcar) é uma cerveja de verdade: essa Vollbier de alta fermentação tem um OG médio de 11,7 °P. Como a levedura é adicionada a 0 °C, a fermentação alcoólica é extremamente baixa, permitindo que a Malzbier seja considerada não alcoólica.
  • Em decorrência da Lei da Pureza, quando há acréscimo de açúcar (e, na maioria das vezes, isso ocorre), não é possível chamar a bebida de cerveja (Bier). Por isso, ela recebe o nome de Malztrunk.
  • Na Alemanha, Vitamalz e Karamalz são marcas conhecidas de Malzbier.

Pilsen, ou simplesmente Pils

  • Pilsen é uma cerveja de baixa fermentação e com alta concentração de lúpulo em comparação a outras cervejas, com OG máximo de 12,5 °P.
  • O nome vem da cidade Plzeň, em alemão Pilsen, na República Tcheca. O curioso é que além de ter sido inventada por um nativo da Baviera, não de Plzeň, a Pilsen também costumava ser sinônimo de cerveja ruim: a qualidade era tão baixa antigamente que, em 1838, 64 barris de cerveja foram derramados publicamente na frente da prefeitura. Para dar um jeito na situação, foi iniciada a construção de uma cervejaria no mesmo ano e o cervejeiro bávaro Josef Groll foi levado à cidade. Ele trouxe a receita de uma cerveja de baixa fermentação. Em 1842, a nova cerveja Pilsen foi servida pela primeira vez.
  • Hoje em dia, a Pilsen é a cerveja mais consumida na Alemanha.

Schwarzbier

  • A Schwarzbier é uma cerveja de baixa fermentação, com OG mínimo de 11 °P, pertencendo assim ao tipo Vollbier. A cor escura da cerveja vem do uso de malte torrado ou malte escuro. E, claro, a Schwarzbier também é produzida de acordo com a Lei da Pureza.
  • Cervejas escuras costumavam dominar na Alemanha. Entretanto, no século 20, elas perderam popularidade. Mas agora, especialmente no Leste da Alemanha, a Schwarzbier está voltando com tudo.
  • A Schwarzbier costuma ser servida em uma tradicional taça de cerveja chamada Pokal.
  • A Köstritzer é uma das marcas de cerveja escura mais conhecidas na Alemanha.

Weizenbier

  • A Weizenbier é uma cerveja produzida com trigo ou malte de trigo. Dessa forma, ela não segue a Lei da Pureza, podendo ser considerada um grupo independente de cerveja.
  • É bastante popular na Baviera, onde é de baixa fermentação, geralmente com um OG de 11 °P a 14 °P.
  • Tradicionalmente, a Weizenbier bávara é degustada em copos longos e finos.
  • A Berliner Weisse é de alta fermentação, sendo produzida com uma mistura de trigo e malte de cevada, além de contar com a ajuda de bactérias lácticas. Daí seu gosto azedo.
  • Hoje a Berliner Weisse é bebida em um cálice. Primeiro, adiciona-se o xarope; depois, vira-se meia garrafa de Berliner Weisse. O restante é servido aos poucos.

Ditados alemães com e sobre cerveja

A cerveja não faz parte apenas da cultura alemã, como também da língua. Os ditados a seguir não existiriam sem paixão alemã por cerveja:

  • Da ist Hopfen und Malz verloren (“O lúpulo e o malte estão perdidos”, em tradução livre). Os alemães falam isso para indicar que algo não tem mais jeito – já era! Essa expressão vem, obviamente, do processo de fermentação: se o lúpulo e o malte estragarem, não há mais o que fazer – caso perdido!
  • Da wird der Hund in der Pfanne verrückt (“O cachorro fica louco na panela”, em tradução livre). Esse ditado teve origem, provavelmente, em uma história do personagem Till Eulenspiegel. Como assistente de cervejeiro, Till tinha a tarefa de ferver o lúpulo (em alemão, Hopfen) para que a cerveja tivesse um gosto forte. Infelizmente, o cervejeiro tinha um cachorro chamado Hopf. Bem, você já pode imaginar o que aconteceu. A expressão é usada para demonstrar um grande espanto sobre algo.
  • Hopfen und Malz, Gott erhalt’s! (“Lúpulo e malte, que Deus os proteja”, em tradução livre)
  • Das ist nicht mein Bier (“Esta cerveja não é minha”, em tradução livre). Nós falamos isso quando algo não é da nossa conta.
  • Kein Bier vor Vier (“Nada de cerveja antes das quatro”, em tradução livre). Essa expressão deve ser usada com sarcasmo e vir acompanhada de uma piscadela.
  • Bier auf Wein, das lass sein; Wein auf Bier, das rat ich dir (“Cerveja após vinho, deixe ser; vinho após cerveja, isso eu recomendo a você”, em tradução livre). Vale a pena levar para a vida toda essa sábia expressão sobre qual bebida consumir primeiro.
  • Heute back ich, morgen brau ich (…) (“Hoje eu torro, amanhã eu fermento”, em tradução livre). A canção de Rumpelstichen não é bem um ditado, mas é a parte mais conhecida do conto de fadas O anão saltador. Claro, a maioria da pessoas se lembra do sequestro da criança e ignora as primeiras estrofes. Elas se referem ao fato de que, antigamente, a torrefação e fermentação andavam de mãos dadas. O ar das padarias ficava repleto de células de leveduras que podiam iniciar uma fermentação poderosa. Somente mais tarde descobriu-se a importância da levedura no processo de fermentação; a partir daí, a levedura passou a ser adicionada intencionalmente.

Texto traduzido por Cátia Pietro

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