Muitas vezes ouvimos dizer que, quando se trata de aprender uma nova língua, as crianças são melhores do que os adultos. Tanto que existem centenas de métodos de ensino de idiomas comercializados com a promessa de que seus usuários irão aprender como uma criança. Na verdade, o que está implícito nessa afirmação é que as crianças aprendem de forma orgânica e com o mínimo de esforço consciente. É claro que essa perspectiva parece bastante sedutora para quem está começando a aprender um novo idioma, mas será que aprender como uma criança é algo realmente desejável?
Os adultos não devem ser subestimados. Enquanto uma criança leva cerca de seis anos para se tornar completamente funcional do ponto de vista linguístico (apesar da carência de um vocabulário especializado), um adulto, que conta com a vantagem de poder combinar conhecimentos explícitos (conscientes) e implícitos (subconscientes) em seu aprendizado, consegue atingir uma capacidade comunicativa de nível avançado dentro de apenas um ano. E eu não estou exagerando! Eu mesmo sou prova viva de que isso é possível: atualmente, falo onze línguas – entre um nível intermediário e avançado – sendo que a maioria delas eu aprendi já na idade adulta.
Para mim, o segredo de aprender tantos idiomas é saber combinar o desenvolvimento das capacidades implícitas, favorecido na infância, com a aquisição explícita de conhecimento, algo em que os adultos saem na frente. E, para obter o melhor desses dois estilos de aprendizagem, uma dica é aderir aos 5 princípios básicos para aprender palavras em qualquer idioma. Quando estou estudando uma nova língua, costumo me ater a esses princípios, explicados mais detalhadamente a seguir.
1. Seleção
2. Associação
3. Revisão
4. Armazenamento
5. Uso
1. Seleção
Sempre que nos deparamos com novas palavras, é importante saber selecionar aquelas que nos parecem mais úteis e interessantes. Toda língua conta com centenas de milhares de palavras, mas a verdade é que a grande maioria delas não será relevante para você nessa fase inicial de aprendizado. Conseguir filtrar o “ruído de fundo” de um idioma é uma das habilidades que apenas os adultos têm, mas que costuma ser subestimada. Boa parte dos livros de ensino de idiomas inclui lições que abordam temas como compras, viagens aéreas, animais do zoológico… Muitas pessoas fazem essas lições e aprendem essas palavras a contragosto, como se fosse “parte do processo”. Isso equivale a ler um jornal inteiro apenas para chegar ao caderno de esportes.
Não cometa esse erro. Em vez disso, vale muito mais a pena aprender apenas as palavras mais úteis de uma língua e, a partir delas, ir expandindo seu vocabulário de acordo com suas necessidades e interesses. Normalmente, as 3 mil palavras mais frequentes de um idioma correspondem a 90% do vocabulário que um falante nativo utiliza diariamente.
É claro que um falante nativo conhece milhares de palavras relacionadas aos mais variados temas, mas a grande maioria delas foi aprendida por meio de uma exposição frequente. Assim como acontece com as crianças, os falantes nativos só irão se preocupar com as palavras mais necessárias ou interessantes para sua comunicação diária. As demais palavras são aprendidas posteriormente, conforme os interesses da pessoa vão se tornando mais específicos. Mesmo assim, um falante nativo conhece apenas uma parte de todo o vocabulário existente em sua língua materna. Para dar um exemplo: a língua inglesa chegou recentemente à marca de um milhão de palavras. Mas quem conhece um milhão de palavras? Ou, mais importante ainda, quem realmente precisa conhecer um milhão de palavras?!
Concentre-se nas palavras que pareçam importantes para você e certifique-se de que elas sejam universalmente úteis. Esse vocabulário constitui o núcleo daquilo que eu chamo de fluência básica. Dele, fazem parte as palavras relacionadas à vida cotidiana e aquelas que utilizamos em conversas — é o caso dos verbos ir, andar, dormir, querer e dos substantivos nome, casa, carro,** cidade**, mão,cama.
Depois de ter se familiarizado com as 3 mil palavras mais frequentes de um idioma, aprender aquelas menos comuns é uma espécie de desafio. Nesse ponto, as pessoas costumam vivenciar um fenômeno conhecido como platô de aprendizagem: elas têm a impressão de não estarem mais progredindo, mas não conseguem descobrir o porquê.
Um dos principais motivos para essa sensação é que, conforme seu vocabulário de um novo idioma vai crescendo, fica cada mais difícil encontrar palavras que sejam ainda mais úteis — o que dizer então de memorizá-las? Nessa fase, é importante se concentrar em palavras que são importantes e relevantes para você: palavras relacionadas à sua vida doméstica, ao seu trabalho e a seus interesses, por exemplo. Esse vocabulário forma o núcleo do que eu chamo de fluência pessoal. Se você é, digamos, um biólogo, pode ser útil aprender palavras como gene, célula, sinapse ou esqueleto. Já para um historiador, valerá mais apena aprender palavras como guerra, monarquia, sociedade e comércio.
Palavras interessantes são um grande aliado contra o esquecimento. Se você se concentrar nas palavras que têm um significado especial para você, será muito mais difícil esquecê-las a longo prazo. Dessa maneira, você será capaz de construir seu vocabulário de forma progressiva, estruturada e sólida.
2. Associação
Identificar palavras úteis é a chave para o nosso processo de aprendizagem. No entanto, se você tentar absorver essas palavras fora de contexto, será difícil combiná-las quando chegar o momento de utilizar o idioma ativamente. A melhor forma de construir contextos é por meio da associação. Associação é o processo pelo qual informações recém-adquiridas se conectam a informações antigas, preexistentes. Uma única informação pode estar associada a uma infinidade de lembranças, emoções, experiências sensoriais e acontecimentos.
Nosso cérebro faz associações de maneira natural, mas também é possível que tenhamos um controle consciente desse processo. Vamos pegar como exemplo as palavras mencionadas anteriormente: gene, célula, sinapse, esqueleto. Se tentarmos aprendê-las de forma isolada, em pouco tempo iremos esquecê-las e teremos que reaprendê-las. Agora, se aprendermos essas palavras em um contexto mais amplo, como em uma frase, seremos mais capazes de conectá-las mentalmente. Pense nisso durante dez segundos e, como exercício, tente conectar as quatro palavras que sugeri.
Você pode chegar a uma frase do tipo: “Os* genes *afetam o desenvolvimento dos mais variados elementos, tais como o esqueleto, as sinapses cerebrais e até mesmo as células individuais.”
Todas as quatro palavras agora se encaixam em um único contexto, como se fossem peças de um quebra-cabeça. Claro que existe muito mais informação por trás disso tudo, mas, tendo em vista que estamos apenas tentando nos concentrar em quatro palavras distintas para relembrá-las posteriormente, exercícios assim podem ser de grande ajuda.
Esse tipo de exercício funciona inclusive com palavras que, aparentemente, não guardam nenhuma relação óbvia entre si. Pense nas seguintes palavras: cobra, quadro-negro, jantar, pedra, túmulo.
Pode parecer difícil no começo, mas, com a prática, você será capaz de relacionar palavras totalmente desconexas entre si de forma a criar narrativas ou discursos coerentes. Esse exercício é uma excelente estratégia para melhorar suas habilidades de fala, associação e imaginação em um novo idioma. Trata-se de uma maneira eficaz de incorporar uma grande variedade de palavras a seu vocabulário, garantindo que cada uma delas faça parte de um contexto maior.
Porém, é importante que você se lembre de exercitar progressivamente suas capacidades de associação. Comece trabalhando com grupos de palavras que já compartilham um contexto comum, como física ou política, e só mais tarde passe a formar associações mais complexas, usando palavras não relacionadas entre si. Quanto mais vezes você repetir esse exercício, mais hábil ficará.
3. Revisão
Há mais de um século, um psiquiatra alemão chamado Herman Ebbinghaus descobriu que temos a tendência de esquecer informações de acordo com um mecanismo preciso que ele descreveu como curva do esquecimento. Segundo esse mecanismo, somos capazes de armazenar muito bem uma informação recém-adquirida. No entanto, em questão de dias, nosso cérebro tende a esquecê-la completamente.
Ebbinghaus descobriu também que havia um jeito de combater esse mecanismo de esquecimento rápido: quando revisamos as informações recém-adquiridas em intervalos de tempo regulares, fica mais difícil esquecê-las. Além disso, após vários intervalos, tais informações se transformam em memória de longo prazo — e você provavelmente se lembrará delas para sempre. Não precisamos aqui entrar nos detalhes do funcionamento da curva do esquecimento. O importante é que você se certifique de revisar com uma certa frequência e de forma consistente as informações mais antigas e que, simultaneamente, continue adquirindo novas.
4. Armazenamento
Na Roma Antiga havia um ditado que dizia o seguinte: verba volant sed script manent. Em português, a tradução seria: enquanto as palavras faladas voam para longe, as escritas permanecem.
Basicamente, o que os romanos estavam tentando nos dizer é que, para que as informações possam ser recordadas, elas precisam primeiro ser gravadas ou armazenadas de forma permanente ou semipermanente. Isso significa que, ao aprender novas palavras, você deve escrevê-las ou digitá-las em algum lugar para registrá-las e poder revisá-las posteriormente. Mas existem outras maneiras de armazenar vocabulário sem ter que recorrer às fichas de estudo.
Toda vez que você aprender uma palavra ou uma frase nova que lhe pareça útil (independentemente de isso acontecer enquanto você está falando com alguém, assistindo a um filme ou lendo um livro), vale a pena registrá-la em seu celular ou em um bloco de anotações que você guarda em seu bolso. Dessa maneira, você poderá rever essas informações sempre que tiver um tempinho.
5. Uso
O último princípio básico para memorizar palavras de forma eficaz é utilizar aquilo que você aprendeu sempre que estiver participando de uma conversa com alguém.
Os pesquisadores Victor Boucher e Alexis Lafleur, da Universidade de Montreal, no Canadá, descobriram que repetir palavras em voz alta para outra pessoa é um método de memorização muito mais eficaz do que dizê-las em voz alta para si mesmo.
Isso nos permite dizer que, quanto mais você conversa com outras pessoas, mais você desenvolve sua fluência e sua memória linguística. Por essa razão, quando estiver com outra pessoa, vale sempre a pena fazer um esforço para usar aquilo que você aprendeu. Além de beneficiar sua aprendizagem, esse exercício permite que você pratique tanto seu vocabulário novo como seu vocabulário antigo, reforçando assim seu conhecimento do idioma a longo prazo.
Deixe-me dar um exemplo: vamos supor que você tenha lido um artigo sobre um tema que você achou interessante. Depois de escolher algumas palavras desconhecidas e descobrir seu significado, você pode conversar sobre esse tema com um colega de estudo ou com algum falante nativo do idioma. Para transmitir o conteúdo do artigo a essa pessoa, você usará algumas das palavras previamente selecionadas e revisadas. Vai ser fácil perceber como, depois dessa breve conversa, tais palavras ficarão registradas em sua memória.
Conclusão
Ao contrário daquilo que talvez tenhamos aprendido na escola, os idiomas não são algo que pode ser simplesmente dissecado e memorizado, tal como acontece com os demais temas apresentados nos livros didáticos. As línguas são fenômenos humanos complexos que, para ser interiorizados e dominados, exigem o uso tanto da aprendizagem explícita quanto da aprendizagem implícita. Isso se aplica, sobretudo, quando se trata de adquirir vocabulário, já que cada aluno tem a possibilidade de escolher entre milhões de palavras aquelas que serão aprendidas. Com o sistema de cinco etapas que descrevi anteriormente, você passa a contar com as ferramentas necessárias para:
(1) escolher as palavras que você quer/precisa aprender;
(2) relacionar as palavras aprendidas com aquelas que você já conhece;
(3) rever o vocabulário recém-adquirido até que ele passe a fazer parte de sua memória de longo prazo;
(4) registrar as novas palavras de forma a não esquecê-las;
(5) usar o novo vocabulário em conversas com outras pessoas.
Foi graças à aplicação desses princípios que eu pude aprender, já adulto, mais de onze idiomas, em nível avançado. Mas você também pode aprender! Ao seguir os passos acima, você estará usando seu cérebro de uma maneira muito mais eficiente e eficaz. Dessa forma, você será capaz de aumentar seu potencial de aprendizagem de um jeito que jamais imaginou ser possível.