Ilustrado por Ginnie Hsu, cortesia da agência Bright.
Cheguei na Itália em novembro de 2018 para fazer o meu reconhecimento de cidadania. Antes de vir, me preparei como pude para os desafios que iria encontrar: a infindável espera pela confirmação da residência (meu pai brinca que é a fase da “prisão domiciliar”, porque não se deve sair de casa até que o policial passe para comprovar que você mora lá); meses nos quais perdi todos os aniversários e happy hours no verão com meus amigos; passar o Natal e Ano-Novo longe da família; e, principalmente, o idioma italiano, já que eu não falava absolutamente nada além do nome de alguns tipos de macarrão, e o meu próprio.
Aprendi o básico da língua para conseguir me comunicar quando chegasse ao país. Imaginei diversas formas de responder a imigração italiana e conversar com profissionais do comune (equivalente italiano do município, que é responsável pelo processo de reconhecimento da cidadania).
Nunca tinha conversado em italiano quando cheguei ao país e precisei de algumas semanas para começar a “destravar” o idioma. Foi muito difícil virar a chave do português para o italiano, ainda mais conversando o dia todo pelo WhatsApp com o namorado e morando com outra brasileira!
Mas, como um dos meus objetivos ao passar esses meses aqui era conquistar o meu terceiro idioma, sabia que precisava me mexer. Tinha a obrigação de aproveitar o fato de estar no país e a oportunidade de falar com nativos o tempo todo!
O jogo da imitação
Foi então que um dia, me lembrei de algo que vivenciei há mais de 10 anos, quando dava aulas numa escola de inglês na minha cidade. A metodologia estimulava os alunos a imitarem exatamente o que era dito em cada frase nas lições, incluindo entonações. No treinamento de novos professores, o coordenador explicou a razão dessa técnica, já que a escola levava em consideração o aprendizado natural de idiomas feito pelas crianças: nós aprendemos a falar imitando pai, mãe e pessoas com quem convivemos.
Há diversos estudos que discutem isso. Um dos mais antigos é dos anos 50 e foi criado pelo psicólogo Burrhus Frederic Skinner. Segundo ele, a imitação é uma das formas de aprendizado mais primárias e é reforçada por meio do incentivo positivo – se a criança repete algo direitinho e os pais sorriem, ela entende que fez algo certo e acaba aprendendo esse termo.
Outros estudiosos do assunto, desde então, já expandiram ou questionaram a teoria. Um exemplo vem de Brown e Bellugi, que defenderam, na década seguinte, que o vocabulário das crianças não pode ser formado por imitação, já que é comum ouvi-las dizendo coisas como dezvinte (depois de dezenove) ou taked (passado do verbo to take, que seria took a forma correta).
Chomsky, por sua vez, acreditava que cada pessoa tem a capacidade de desenvolver a própria linguagem. Isso justifica o motivo pelo qual as crianças expandem seu vocabulário além do que são encorajadas a imitar. Essa teoria, no entanto, não invalida as anteriores, já que é ao ver como a linguagem é utilizada que um bebê que está aprendendo a falar consegue exercer sua linguagem.
Com mais base na minha experiência como professora de inglês do que nos estudos específicos sobre idiomas, comecei a usar a imitação como ferramenta para aprender a língua na Itália.
Ao conversar com as pessoas, prestava atenção em suas entonações, nas expressões usadas e até no sotaque, e tentava imitar. Passei a pedir que repetissem as palavras mais difíceis até que eu conseguisse falar como elas; muitas vezes, elas mesmas repetem e me corrigem sem que eu peça – mais ou menos como fazemos com crianças que estão aprendendo a falar!
O resultado foi que, em pouco tempo, o “destravamento” do idioma que eu procurava aconteceu, e eu dei um salto no aprendizado e já conseguia falar com certa fluência o italiano. Até me peguei com pensamentos naturalmente em italiano! Meu auge do pensamento “poliglota” foi quando um carro passou por mim na chuva, jogou aquele monte de água na minha perna e, no susto, xinguei em italiano: porca miseria!
Outra vantagem da imitação está na naturalidade com a qual você começa a falar. Quando estudamos um idioma, muitas vezes aprendemos palavras e expressões que são muito formais, ou que não são tão utilizadas na vida real. Quantas vezes alguém respondeu nice to meet you too quando você disse que era um prazer conhecer a pessoa?
Abraçando a imitação como uma forma de aprendizado, as formas de se expressar no dia a dia começam a ser inseridas na sua comunicação: as entonações e a musicalidade da língua também fazem parte da forma como você a fala. Quanto mais consegue incorporá-las na sua própria comunicação, mais fácil fica de se comunicar e até de entender o que os outros estão falando.
Faça o que eu faço
Além do idioma, outra forma de comunicação bastante particular de cada país são os gestos. No caso da Itália, que é um país mundialmente conhecido pelos gestos do seu povo, nem se fala! (às vezes, literalmente: um gesto pode exprimir muito mais do que as palavras).
Ao confiar no poder da imitação para aprender o italiano, comecei a observar também o uso que as pessoas aqui fazem da linguagem corporal e a tentar incorporar, aos poucos, esses gestos – com ainda mais atenção do que as palavras, porque um gesto errado pode fazer uma conversa acabar bem mal!
Não por acaso, notei que, ao incorporar gestos italianos ao falar diariamente o idioma, ficou mais fácil de memorizar algumas palavras e expressões. Assim como no caso da imitação, há diversos estudos comprovando que gesticular ajuda a fixar palavras e expressões em outros idiomas. O primeiro deles é dos anos 60 e foi desenvolvido por James Asher, criador do método Total Physical Response (TPR) para o aprendizado de línguas. Segundo esse método, os alunos respondiam com ações aos comandos dados pelo professor.
No entanto, o método de Asher pecou por um motivo: não aborda a necessidade do estudo teórico e de explicações sobre a gramática, confiando apenas em escutar e agir. Isso pode funcionar para a língua-mãe, mas, com outros idiomas, a parte teórica não é dispensável.
Por isso, além de imitar quem fala italiano, aproveito as conversas para identificar os pontos que ainda preciso estudar mais. Então, procuro os aprofundamentos nos canais do YouTube, em sites especializados no idioma e em aplicativos de idiomas, como os da Babbel.
Dica extra: imitando também nas redes sociais
O italiano falado vai bem, mas e o escrito? Como ter a mesma coloquialidade e fluência ao escrever textos no dia a dia, como mensagens, comentários nas redes sociais?
Mais uma vez, confio na imitação. Comecei a seguir vários perfis de pessoas que nasceram e vivem no país e leio com atenção as legendas. Assim, vou descobrindo novas expressões e aprendendo a estruturar as frases de uma forma mais natural para o idioma, sem parecer que foi apenas traduzido pelo Google.
Para praticar, também comecei a escrever minhas próprias legendas em mais de um idioma. A maioria delas faço em português, italiano e inglês – assim, além de continuar praticando esse idioma, meus amigos da Itália podem entender o que eu quis dizer, caso escreva algo bem estranho, e me corrigir.
Escrever no Instagram em mais de um idioma ainda tem uma vantagem que eu nem esperava: ajudar outras pessoas que também querem aprender italiano! Já recebi mensagens de gente que pretende vir para a Itália falando que está aprendendo algumas palavrinhas novas só de ler as legendas das minhas fotos.