Cultura polonesa: aventuras românticas e linguísticas

Namorar alguém já é difícil, imagine se for de uma cultura completamente diferente da sua?
betrunken sprechen
Ilustração de Victoria Fernandez

Namorar uma pessoa de fora (no meu caso, Polônia) pode ser um quebra cabeças de línguas e costumes.

Por isso, se no fim do seu primeiro encontro a outra pessoa estiver muito séria… não se desespere! É assim mesmo.

Relacionamentos multiculturais vêm com seus desafios, principalmente o choque cultural de conviver com uma criação muito diferente da brasileira. Mas a parte difícil é também a parte interessante: os diferentes pontos de vista vão sempre tornar as suas conversas mais ricas e… volta e meia esquisitas (no bom sentido).

Só para não ficar confuso, deixa eu apresentar o cenário: comecei a namorar uma polonesa há pouco mais de um ano. Três meses atrás, nós empacotamos as nossas trouxinhas e nos mudamos para um apartamento só nosso — o que intensificou o nosso convívio.

A minha língua natal é o português, a dela é o polonês. Mas para completar a confusão a nossa língua franca é inglês e nós moramos na Alemanha!

Essa mistureba cultural me deu vários aprendizados e me colocou em uma ou outra aventura linguística, quando não em uma imersão na cultura polonesa.

Expressões de terras distantes: a cultura polonesa

Minha expressão preferida da língua polonesa é Lajf is brutal end ful of zasadzkas.

A tradução literal da frase acima é: vida é brutal e cheia de armadilhas. Uma expressão comum que todo polonês vai conhecer com toda a certeza.

A parte mais interessante é o caráter cultural que ela aponta — um clichê da cultura polonesa é que a vida deve ser enxergada como um obstáculo a ser conquistado. Algo que deve e vai desafiar você e, volta e meia, jogar você na lama.

Um insight superimportante para um convívio pacífico!

Não existe “D.R.”

Ou pelo menos não existe uma expressão equivalente em inglês. Toda vez que vamos falar de algum assunto mais sério ou qualquer tipo de crítica eu sou forçado a usar a nefasta expressão we need to talk.

A tradução literal dessa frase é pura e simplesmente nós precisamos conversar, mas ah! As nuances são tão mais complicadas que isso!

Hollywood criou o mito de que essa é a frase do término. É o começo do inevitável fim.

Imagine isso: você precisa falar sério sobre o aumento do aluguel e como as contas serão mais complicadas mês que vem — mas a frase para iniciar esse papo complicado é uma bomba emocional.

Depois de alguns esbarrões pela falta de um vocabulário certeiro, eu acabo criando umas expressões estranhíssimas.

Volta e meia eu falo subject: rent — immediate task: talk (assunto: aluguel — tarefa imediata: conversa) de um jeito meio computadorizado mesmo. Só para escapar das garras da frase do término.

Não insultes

Aqui é uma questão mais regional, mas ainda assim interessante.

Nossas conversas em inglês têm os usuais palavrões que todo mundo conhece. Talvez pela minha criação carioca eu até tenha uma frequência um pouco maior que o normal.

Mas quando o assunto é polonês, minha namorada fica estarrecida com o uso de qualquer palavrão… o que é um pouco estranho, afinal a palavra mais conhecida da língua polonesa é um insulto bem feio: kurwa (eu não vou traduzir isso, é bem retrógrado, mas eu juro que aparece um bocado).

Por mais que outros poloneses do nosso convívio usem uma linguagem bem mais xula, na região da Silésia (região de fronteira com a República Tcheca), isso é um grande afronte. Mesmo expressões simples como pupa (bunda), nada demais, são retribuídas com olhares reprovadores.

Uma nova língua

Com a mistura das nossas quatro línguas de convívio e ainda mais as influências de amigos internacionais e ocasionais viagens por aí, estamos passando por um fenômeno interessante: a criação de uma língua própria.

Por exemplo, de todas as nossas opções para a palavra alho, por algum motivo adotamos o termo em alemão knoblauch como o oficial. Já para camarão, nós escolhemos o espanhol gambas. Para exageros ou hipérboles, preferimos o uso da palavra inglês heaps (montes) do jeito que os neozelandeses usam: heaps of work (um monte de trabalho), por exemplo.

Claro, esses são pequenos maneirismos que individualmente não mudam muito a linguagem. Mas, um depois do outro, tijolo a tijolo, nós fomos construindo algo parecido com uma protolíngua que apenas nós conseguimos entender 100%.

A frase: そうです, gonna grab the Tasche amarela pode não significar muita coisa para a maioria da população mundial, mas para mim esse quebra cabeça quer dizer: entendi, vou pegar a bolsa amarela.

Uma nova língua

Já namorou ou pensou em namorar alguém de fora?

Aprender pelo menos o básico da língua abre muitas portas — não apenas de comunicação, mas também de compreensão sobre como aquelas mentes funcionam.

A gente adoraria ouvir as suas histórias linguísticas e também saber se vocês acabam criando umas “novas línguas” que nem eu.

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