Cuscos, bergamotas e japonas: você é capaz de falar “gauchês”?

Cusco, bergamota, japonas… você entende o “gauchês”? Capaz! Fizemos uma breve análise do falar do Rio Grade do Sul.

Até queria ir no sol lagartear, mas, bah, tá um frio de renguear cusco. Só se levarmos o chimarrão e a japona.

Quem não é do Rio Grande do Sul terá certa dificuldade em entender com precisão todas as palavras da frase acima. É bem possível que você consiga absorver o sentido geral juntando os pontos, mas diga com sinceridade, você aí que não é dos pampas: o que significa lagartear? E cusco?

Se você não sabe, não se preocupe: essas são palavras características do modo de falar gaúcho, que desenvolveu vocabulário, expressões e pronúncia bem particulares, influenciado pelos países vizinhos de língua espanhola e pelo isolamento geográfico do estado em relação ao resto do país.

No Rio Grande do Sul, menino é guri, pão francês é cacetinho, tangerina é bergamota, policial militar é brigadiano, entre muitas outras.

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Mas não é apenas o uso de vocabulário específico que diferencia o falar gaúcho de outros do Brasil. Gramaticalmente, o uso dos pronomes “tu”, “ti”, “teu” e “contigo” (segunda pessoa do singular) em detrimento do “você” (terceira pessoa) é uma das características principais. Se a conjugação segue a norma culta, como em “tu viste?”, ou se o pronome da segunda pessoa é usado com o verbo conjugado na terceira, como em “tu viu?”, varia dentro do estado.

Mas nada melhor do que gírias e expressões regionais para nos darem a verdadeira dimensão do falar gaúcho. Comecemos com a explicação da frase que abre o texto:

Até queria ir no sol lagartear, mas bah, tá um frio de renguear cusco. Só se levarmos o chimarrão e a japona.

lagartear: tomar sol para aquecer o corpo num dia frio (como um lagarto).

frio de renguear cusco: muito frio! “Cusco” significa cachorro, enquanto “renguear” quer dizer algo como cambalear, ou mancar. Ou seja: está tão frio que o cachorro está cambaleando, mancando (tremendo).

japona: jaqueta de inverno.

Agora vamos explicar a frase que os gringos tentam adivinhar no vídeo:

Bah, mas esse guri eu larguei pras cobras. Ele se faz de leitão vesgo para mamar em duas tetas, é um abusado.

bah: interjeição preferida do gaúcho, muda de significado conforme a entonação, podendo expressar surpresa, descrédito ou mesmo irritação.

guri: menino.

**largar ***pras*** cobras****: abandonar, desistir de alguém.

fazer-se de leitão vesgo para mamar em duas tetas: fingir-se de bobo para tirar proveito de uma situação.

Mas, para mim, nada resume o modo de falar do gaúcho como o uso “particular” que fazem da palavra capaz. Um vocábulo que outras parte do país tem um significado claro e inequívoco, se transforma numa verdadeira incógnita quando usada pelos habitantes do Rio Grande do Sul, sobretudo quando vem acompanhado do advérbio bem.

Eu não vou tentar explicar o que bem capaz quer dizer para não passar vergonha com meus amigos gaúchos, mas deixo aqui o relato de quando ouvi essa expressão da boca de um cidadão rio-grandense pela primeira vez.

Eu trabalhava em um portal de notícias em São Paulo quando conheci João, um colega gaúcho. Como nos conhecíamos havia algum tempo, eu pensava que as piadas sobre sotaques e eventuais dificuldades de comunicação já estariam superadas de ambos os lados, até que um dia perguntei se ele iria para o bar após o trabalho. “Capaz“, respondeu João, que não apareceu. Um outro dia, a mesma pergunta, mas dessa vez a resposta foi além: “Bem capaz!“, disse João rindo. Apenas quando ele não apareceu novamente que comecei a desconfiar que tinha alguma coisa errada com essa “capacidade” (e que eles parecem se divertir um pouco com a nossa confusão).

Hoje, quase uma década depois, vejo que o significado dessa expressão, assim como o bah, varia conforme a entonação e pode indicar dúvida, protesto, deboche, desafio e até mesmo indignação!

E agora, você já está fluente em “gaúchês”? Capaz ou bem capaz?

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