Quando a gente mora fora pela primeira vez e se arrisca a falar outro idioma 24 horas por dia, a primeira constatação que nos arrebata é a de que os locais não usam as mesmas palavras, expressões e gírias que aprendemos nas aulas de inglês. Sem falar no sotaque, que eleva o grau de dificuldade de entendimento a um nível de quase frustração. A minha primeira experiência foi num intercâmbio no sul da Inglaterra, em Surrey, a uma hora de Londres. O sotaque inglês local era ainda mais forte do que nas séries de TV e muitas palavras tinham um som distinto do que eu estava acostumado após três anos de estudo na Associação Cultural Brasil Estados Unidos (ACBEU). Mas o que eu nunca esperava é que após 12 anos de vida no exterior, as expressões da minha própria cidade iriam me soar completamente ininteligíveis. O que me faz pensar, como será que alguém que aprende Português se vira em Salvador? Será que o nosso famoso baianês não torna a vida dos gringos muito mais difícil?
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O Baianês
Baiano tem um orgulho grande de ser da Bahia, dos nossos dias ensolarados, da felicidade e receptividade do nosso povo, e da nossa criatividade – que se estende à maneira como nos expressamos. Para ouvidos desavisados, tudo deve soar como outro idioma. Colé di merma? (que o marcador do MS Word insiste em marcar como erro). Canguinhagem, comer pilha, haja expressão e imaginação para um povo só!
Para a série de vídeos que criamos, escolhemos uma frase com expressões muito usadas da Bahia:
“Rafael, quando come água, fica todo cheio de gracinha para cima de mim. Eu fico retada, nunca dei essa ousadia para ele.”
Em um português padrão, poderíamos dizer:
“Quando Rafael bebe (ou toma umas), ele começa a dar em cima de mim. Isso me irrita, porque nunca dei liberdade alguma para ele.”
É claro que como bom baiano, acho que a frase perde todo o charme e a essência, até porque algumas das expressões são usadas em sentidos que emanam um lado divertido e criativo da nossa cultura. Um lado baiano de quem não leva a vida tão a sério e busca a felicidade nas pequenas coisas.
Outro bom exemplo de como o nosso linguajar não alcança limites são frases como esta: “Ô véi, tô sabendo cualé di merma, vú. Veio com esse negócio de historinha pra cima de mim, dou logo um xelp!”
ô véi: cara, mano
colé de merma: o que está acontecendo, como estão as coisas
negócio de historinha: fofoca, enganação, mentira
xelp: um fora, uma cortada
Para bom entendedor…
Eu apenas me dei conta do que tornava o sotaque baiano identificável quando fui passar um mês em São Paulo de férias, aos 20 anos, e eles corrigiram a maneira como eu falava Salvador. Na Bahia, dizemos Salvadô, dizê, como se o r não existisse, e adicionamos vogais onde elas não existem, tornando o som mais melódico. Nos movemos com um certo ritmo, “estreamos ao nascer”.
A influência dos idiomas africanos na primeira capital do Brasil deu origem a este modo de falar tão peculiar, e até um dicionário foi criado, o Dicionário de Baianês, que em 2018 completa 25 anos desde a sua primeira edição. Por tudo isso, baiano se reconhece facilmente, sem necessitar escutar um oxe, oxente ou o nosso xingamento preferido porra, que agregamos a outras palavras para conferir-lhe diversos significados.
Em constante evolução
Pode parecer engraçado, mas o meu grande desafio ao retornar de férias da Europa para o Brasil é convencer os baianos que sou de Salvadô. É comum escutar um: “Oxe, você nem parece que é daqui”! O meu sotaque após morar no Reino Unido, Argentina e Alemanha por tantos anos, ganhou um tom neutro, e agora negociar preços de morador local na praia do Porto da Barra é uma verdadeira aventura, principalmente nos primeiros dias, quando a minha ausência de Sol se contrasta com a pele sempre bronzeada dos soteropolitanos. Outro desafio é manter-me atualizado com as novas expressões. No Carnaval de 2014, quando ouvi pela primeira vez a minha prima dizer um “vamos ali pegar uma piriguete”, juro que pensei o quanto a cidade estava de repente “moderna e mente aberta” (risos), mas na verdade era apenas uma cerveja!
Por que usar expressões idiomáticas?
A maneira mais rápida de parecer fluente em qualquer idioma é aprender as suas expressões e gírias locais, e também para conectar-se instantaneamente com outras pessoas. Um “How are you doing?” pode soar formal, já um “What’s up, mate?” soa mais próximo e descontraído. Expressões são tão importantes que o Instituto de Cambridge testa o conhecimento de não-nativos em seus testes de proficiência. Eu mesmo tive que aprender um monte delas, como “It’s raining cats and dogs“, para fazer o exame de proficiência CPE (Cambridge Proficiency Exam). É por essa razão também que um dos focos da Babbel é possibilitar o aprendizado de expressões e traços culturais, não apenas para que seja possível aprender de maneira conversacional, mas também para celebrar a cultura e beleza da diversidade idiomática.
E você, qual idioma quer aprender?