“Paulistano não tem sotaque.”
Quem alguma vez discutiu sobre os sotaques do Brasil com alguém de São Paulo provavelmente já deve ter ouvido essa frase. Eu mesmo, ao entrar em contato com pessoas de outros estados durante minha juventude, me lembro de ter repetido esse disparate algumas vezes, para desespero dos meus interlocutores. Que atire a primeira pedra o paulistano que nunca disse essa frase!
Mas há algum pingo de verdade nessa afirmação? Em resumo: Não! Nós paulistanos temos sim o maior sotaque, meu! Já o diria Boça, o personagem de Hermes e Renato que é um estereótipo maravilhoso do jeito paulistano de falar e agir.
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Mas, brincadeiras e estereótipos à parte, o que realmente caracteriza o modo de falar dos paulistanos? E por que falamos assim?
O estado de São Paulo recebeu o maior número de imigrantes italianos no Brasil. Estima-se que, do final do século XIX até 1920, SP tenha recebido cerca de 70% dos italianos que chegaram ao país, um total de 1 milhão de pessoas. Atualmente, cerca de 15 milhões de pessoas com ascendência italiana vivem em São Paulo, aproximadamente 34% da população do estado. Em outras palavras, uma em cada 3 pessoas no estado tem um antepassado italiano.
E é claro que isso ficaria marcado na maneira como falamos. Não é por acaso que Bixiga, Brás e, principalmente, a Mooca, meu!, sejam os lugares de São Paulo em que o modo de falar e a cultura italiana estejam mais presentes: foram justamente nesses bairros em que a maioria dos oriundi se instalou inicialmente.
Uma das hipóteses sobre a influência italiana no nosso modo de falar diz respeito ao plural. Além dos famosos os mano e as mina, diz a velha piada que o paulistano pede “um chopps e dois pastel” em vez de “um chopp e dois pastéis”. E o que isso tem a ver com a Itália? É que em italiano, diferentemente de português e inglês, o plural não é feito com a letra s. Leia mais aqui e aqui sobre a influência italiana nos modos de falar de São Paulo e do Brasil.
Outras particularidades que marcam a pronúncia paulistana, não necessariamente por influência italiana, são:
Uso do r surdo: grande parte dos habitantes da capital paulista quase não pronuncia o r, especialmente no final de verbos; brincar, por exemplo, é pronunciado quase como brincá. Há bairros, entretanto, sobretudo os mais afastados do centro, em que a pronúncia do r já começa a se aproximar do r do interior, o famoso porrrta.
Palatalização do D e do T quando vêm antes das vogais e e i: os famosos cidadji (cidade) e leitchi (leite) que, entretanto, não são exclusividade de São Paulo, mas aparecem em toda a região Sudeste e alguns outros estados.
Essa maneira de pronunciar o t e o d, por sinal, pode confundir bastante a cabeça dos estrangeiros que aprendem português. Jamais esquecerei o caso de um suíço que estava convencido que a pronúncia correta da palavra tudo era tchudo. Quando questionado sobre como havia chegado a essa conclusão, ele respondeu sem titubear: “Oras, vocês dizem gen****tch***e (gente), tchia (tia), logo, tchudo, não?”
Gírias de São Paulo e expressões
Mas não é só a pronúncia das palavras que marca o modo de falar de São Paulo. Gírias e expressões também são características marcantes da maneira paulistana de se expressar. Vejamos as expressões cujos significados os estrangeiros tentaram adivinhar nos vídeos.
“Mano do céu, passei mó friaca ontem, fiquei zuadaço. Tem as moral de ir na padoca comprar um lanche pra mim?”
Para quem não é de São Paulo, nós explicamos:
mano do céu: expressão emergente nos últimos anos que tem um significado semelhante, embora bem mais expressivo, a cara, mano, bicho etc
friaca: frio
zuadaço: muito mal, doente
ter “as moral”: ter a capacidade e a disponibilidade necessárias para fazer um favor a alguém.
“Cê tá ligado que o negócio tá osso lá no escritório, né? O novo funcionário não manja nada.”
tá ligado: talvez a gíria mais característica de São Paulo, significa algo como estar entendendo ou estar ciente de determinado fato ou situação.
estar osso: estar difícil, estar complicado.
manjar: entender, saber.
A lista de gírias e expressões da cidade de São Paulo é longa e está em constante evolução. Quem sabe com quais expressões estaremos nos comunicando daqui a 10 anos? Se você acha que conhece as gírias paulistanas do futuro, deixe sua contribuição nos comentários!