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Inglês, uma trama de muitas línguas

O inglês que conhecemos hoje tem uma história grande. Entre nessa viagem e descubra como os vikings e os franceses moldaram a história da língua inglesa.
Escrito Por Fabiana Caso
Inglês, uma trama de muitas línguas


Hoje em dia, a língua inglesa é o mais próximo que temos de um passaporte global de comunicação, ao menos no mundo ocidental. É a mais aprendida no mundo como segundo idioma – a estimativa atual é de dois bilhões de falantes. Mas o curioso é que o próprio inglês se formou como um passaporte cheio de carimbos das muitas culturas e povos que ocuparam as ilhas britânicas. Eles imprimiram desvios, mutações do vocabulário, adições, idiossincrasias e misturas que originaram o English que conhecemos atualmente. Totalmente “impuro” e repleto de influências, como uma salada mista de sotaques e fonemas.

Isso começou a chamar a minha atenção quando comecei a estudar francês. Apesar de tanta gente realçar a similaridade com o alemão, passei a ficar admirada do quanto eu podia entender palavras francesas, por causa do inglês! Apesar de a pronúncia ser very different.

O que me levou a pesquisar sobre o que foi muito mais do que um flerte dos dois idiomas, e que acabou me levando a uma viagem bem mais longínqua. Como afinal se originou essa língua de artigos neutros e de feição tão objetiva onde poucos verbos geralmente resolvem a parada e comunicam muito, dependendo de como são usados e acompanhados?

Tal qual um bom vinho, a maturação do inglês foi bem comprida, ao longo de 1400 anos de histórias relacionadas aos diferentes povos que ocuparam a Inglaterra. Tanto que ele é dividido em várias idades: Old English (o inglês antigo), Middle (do período do meio), Early Modern (o começo da era moderna) e Modern (o inglês mais próximo do que conhecemos, que se desenvolveu apenas a partir do século 17). Para quem quer ter ideia das mudanças, vale ler os (difíceis) versos originais de William Shakespeare, publicados já na transição do “meio” para o “moderno criança”, entre o século 16 e 17. Naquela época ainda havia a liberdade de usar as palavras em ordens distintas, como herança do Old English, com o verbo principal às vezes no final da frase, como acontece até hoje… no alemão.

Muitíssimos séculos antes dos versos do bardo, os celtas dominavam o pedaço britânico. Só que os romanos, que passaram a marcar presença na Inglaterra e permaneceram por lá até o século 5, “corromperam” os dialetos celtas com expressões em latim.

Aí chegaram os anglo-saxões, tribos germânicas oriundas do noroeste da Alemanha, Dinamarca e Noruega. Cansaram das andanças e fincaram raízes na Inglaterra, cujo nome, aliás, vem de “Englaland” – “land of the Anglos“, ou seja, a terra dos anglos.

Eles falavam línguas com raízes germânicas comuns ao alemão e ao holandês, que compuseram a trama do tal Old English. Havia inflexões e declinações parecidas com as do alemão atual, de novo! E a gramática das duas línguas também era mais próxima.

Daí que o inglês é considerado, oficialmente, uma língua germânica ocidental. E até hoje sobrevivem tantas palavras semelhantes no inglês e no alemão, onde até a pronúncia é a mesma, ou quase – basta pensar em Hand (mão nas duas línguas), no verbo find (encontrar, que é finden em alemão), apple (apfel em alemão, maçã) ou em fish (peixe, nos dois idiomas). 

Só que o Old English acabou incorporando termos mais viscerais e “irados”, digamos, quando foi arrebatado pela superinfluência das línguas germânicas nórdicas. What? Eram os idiomas dos povos vikings da Escandinávia, que conquistaram e colonizaram partes das ilhas britânicas durante os séculos 8 e 9. Aí eles simplificaram bastante a gramática do inglês “arcaico” dos anglo-saxões. E deixaram extenso vocabulário, que segue poderosamente em voga. Basta pensar em alguns dias da semana, como a famosa quinta-feira em homenagem ao deus da mitologia nórdica Thor: Thursday, corruptela de Thor Day. Ou a palavra ugly (feio), que veio de ugga (!) dos vikings.

Acabada essa ocupação nórdica, os anglo-saxões voltaram a dominar a parada linguística no período do Middle English, o do meio. Até que tudo mudou com a French invasion, quando todo mundo tinha que dar bonjour na Inglaterra. Danger! (Um perigo, nas duas línguas.)

Foi durante a chamada “conquista normanda da Inglaterra”, que durou de 1066 a 1075. Ela foi resultado de uma junção de forças de soldados franceses, bretões, flamengos e normandos, liderados pelo duque da Normandia que ficou conhecido como William, o conquistador. Apesar dessa dominação ter durado menos que uma década, ela foi o bastante para lançar o estopim linguístico que faria um twist que mudou o inglês para sempre, decretando a derrocada do velhinho Old English mais germânico.

Esses novos invasores falavam o dialeto francês anglo-normando, que foi incorporado pelo governo britânico como idioma oficial administrativo, usado em documentos oficiais e em obras literárias – até o século 15! A aristocracia da Inglaterra medieval também o adotou como sua linguagem falada. E a prática acabou se estendendo às universidades, a outras classes sociais e a todo tipo de manuscrito: era comum que os ingleses aprendessem o tal dialeto francês. E foi aí que acabou rolando a miscigenação das línguas. Os filhos foram as palavras totalmente idênticas ou derivadas do francês em todo um novo vocabulário, sem maiores consequências para a English grammar.

Na esteira dessa incorporação do dialeto nas esferas da cultura aristocrática e intelectual dos tempos medievais, a presença francesa é especialmente notável em termos mais cultos, literários ou acadêmicos em inglês.

E bom, vale lembrar que o francês dominou como língua diplomática oficial e “global” no mundo todo até meados do século 20 – perdeu o trono de segundo idioma mais estudado e falado no mundo para o inglês só depois da Primeira Guerra Mundial, que acabou em 1918. O que foi alavancado também pela iminência dos Estados Unidos como nova potência econômica.

A quantidade de palavras incorporadas ou derivadas do francês é avassaladora. O estudo de Joseph M. Williams credita 29% da origem das palavras mais usadas em inglês ao francês e ao “anglo-francês”. Surpreendente que ele reserva a mesma porcentagem de 29% ao latim – resultado da mencionada presença ainda mais antiga dos romanos. As línguas germânicas (incluindo holandês e outras) ficam com 26%.

Esse estudo de 1975 foi o último oficial sobre a influência de outros idiomas no inglês. E há quem conteste esses dados hoje em dia, dizendo que a pesquisa de Joseph levou em conta apenas termos presentes em cartas corporativas, e estenda a presença de palavras francesas ou derivadas do francês no inglês para 45%, ou até 56%, dependendo da fonte. Tanto que alguns linguistas acreditam que a categorização oficial do idioma deveria ser revista para a de uma língua híbrida: “germânica românica” e não “germânica ocidental” como mencionado.

Eu não sou linguista, mas depois de ir mais a fundo no mix que compôs a trama do inglês a partir de tantas culturas diferentes, eu o categorizaria definitivamente como um idioma cosmopolita. Para mim, ele ganhou mais legitimidade de ser chamado atualmente de lingua franca. Afinal, quando o falamos estamos transportando palavras herdadas de celtas, romanos, vikings, anglo-saxões germânicos e franceses – no gosto de fonemas e sotaques amadurecidos por tantas histórias ao longo do tempo. Je t’aime encore plus, English.

APRENDER UM IDIOMA É TAMBÉM APRENDER HISTÓRIA
Fabiana Caso
Fabiana Caso é escritora, pesquisadora de música, jornalista, DJ, editora de playlists e fundadora da festa e festival Néonloop. Paulistana, adora descobrir outras cidades, estudar idiomas e diferentes culturas e cenas artísticas. Além do português, fala inglês, francês, italiano e está dando duro para aprender alemão. Morou em Berlim, passou um tempinho nos Estados Unidos e, de volta a São Paulo, está prestes a lançar um livro sobre cenas musicais brasileiras.
Fabiana Caso é escritora, pesquisadora de música, jornalista, DJ, editora de playlists e fundadora da festa e festival Néonloop. Paulistana, adora descobrir outras cidades, estudar idiomas e diferentes culturas e cenas artísticas. Além do português, fala inglês, francês, italiano e está dando duro para aprender alemão. Morou em Berlim, passou um tempinho nos Estados Unidos e, de volta a São Paulo, está prestes a lançar um livro sobre cenas musicais brasileiras.

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