Ilustrado por Paola Saliby
Historiadores acreditam que, quando os portugueses chegaram ao território onde hoje é o Brasil, havia cerca de 8 milhões de indígenas vivendo em milhares de diferentes povos espalhados pelo território. Era improvável que todos esses habitantes falassem a mesma língua: na verdade, os registros dão conta de mais de 50 idiomas, dialetos e variantes do tronco linguístico tupi na região naquela época.
No entanto, todos esses idiomas faziam parte da família linguística Tupi-Guarani e, portanto, tinham elementos em comum. Em função disso, entre os séculos XVI e XVII, jesuítas documentaram esses idiomas e criaram uma língua geral que descartava as variações entre os dialetos, usava como referência a gramática da língua portuguesa, além de ter sido ampliada com termos portugueses e espanhóis.
Batizado de nheengatu, tupi para “língua boa”, o idioma permaneceu como língua geral para comunicação cotidiana entre colonizadores, indígenas, escravos e colonos de origem portuguesa, até ser proibida pela coroa portuguesa no século XVIII. Como herança histórica, ainda há dicionários e gramáticas, orações e textos traduzidos por jesuítas do português para a língua geral.
Durante dois séculos, o nheengatu foi a língua mais comum do Brasil e nos legou muito mais que vocabulário (Só para se ter uma ideia: mais de 10 mil vocábulos em português brasileiro foram herdados da língua geral). Seus fonemas foram fundamentais para definir o sotaque brasileiro: nossa pronúncia forte de vogais e os sons anasalados (em oposição ao sotaque português, que têm sotaque áspero e consonantal) podem ser em parte herança do nheengatu. Os sons do Nheengatu, portanto, são familiares aos ouvidos e pronúncia dos brasileiros – e são parte fundamental da história do português falado no Brasil.
Há futuro para o nheengatu
A proibição foi um golpe no uso do nheengatu, mas não o extinguiu completamente. Até 1877, o idioma era mais usado que o português no Amazonas e no Pará. Ainda hoje, de acordo com linguistas, a língua ainda é falada por cerca de 20 mil pessoas na região do Vale do Rio Negro, no Amazonas. No extremo norte do estado, o município de São Gabriel da Cachoeira, que faz divisa com a Venezuela e a Colômbia, tem o nheengatu reconhecido como um de seus idiomas oficiais, além do português e do espanhol.
Entre os falantes do idioma, há aqueles que lutam pela sua sobrevivência e expansão – e o têm feito usando a internet. No YouTube, é possível encontrar vídeos de jovens falantes do nheengatu divulgando o idioma em vídeo e nos comentários:
Além disso, há um curso de nheengatu na USP, e pesquisadores trabalham para publicar na internet um material em áudio, vídeo e texto, além dos livros didáticos, como forma de preservar o Nheengatu.