Espaço com respeito
Uma parceria entre o aplicativo de idiomas líder na Europa e o maior banco de currículos e vagas de emprego para pessoas trans do Brasil pretende revolucionar ambientes de trabalho. Como? A partir de um novo tipo de comunicação pautado na neutralidade do gênero. Com apoio da Carmen Rosa Caldas-Coulthard, doutora em Linguística e pesquisadora da Universidade de Birmingham (Reino Unido), a Babbel e a TransEmpregos acabam de publicar um material que será apresentado a pelo menos 400 empresas do mercado brasileiro. Além de contextualizar a importância dos discursos e da própria comunicação no tratamento das diversas identidades, o documento traz orientações práticas que auxiliam departamentos de Recursos Humanos a evitar vícios de linguagem assim como a incorporar e a estimular formulações mais adequadas na fala e na escrita do português. “Não adianta inserir a pessoa trans no mercado de trabalho sem antes sensibilizar a empresa e os funcionários”, afirma Maite Schneider, uma das fundadora da TransEmpregos. “É preciso haver uma capacitação do RH bem como algum projeto de conscientização e inclusão para criar um ambiente onde a pessoa poderá trabalhar com naturalidade.” “Nosso propósito com o novo guia é apresentar recomendações de como devemos nos comunicar com e sobre travestis, mulheres trans, homens trans e pessoas não-binárias”, explica Caldas-Coulthard. “A opressão de gênero não é simplesmente refletida na linguagem, mas também é um resultado dela”, alerta a especialista.
Práticas constantes, porém ultrapassadas
Você já deve ter reparado que, no português, a palavra “homem” é muitas vezes usada para representar toda a “raça humana”. Ou que, em nosso idioma, a maioria esmagadora dos textos na mídia e na literatura prioriza o masculino quando traz a forma plural de um grupo misto – como no caso das palavras “pais” para falar de mães e pais, “trabalhadores” para falar de trabalhadoras e trabalhadores ou “instrutores” para falar de instrutoras e instrutores. Isso é assim porque a linguagem está profundamente arraigada em estruturas sociais e porque fomos treinados (e estamos acostumados) a seguir tais regras gramaticais. No cotidiano, o preconceito incutido em frases como “Isso é coisa de mulher” ou “Nasceu homem, vai morrer homem” nem sempre é percebido. No entanto, como indica Caldas-Coulthard, vivemos em sociedades em que homens brancos e heterossexuais concentram o poder. “Gramaticalmente, dar prioridade a um gênero é mais simples e pode não ser importante quando falamos de carros ou bicicletas. Mas, quando falamos de mulheres e pessoas LGBT+, tal escolha pode ser interpretada como discriminatória.” Sendo assim, nada melhor do que incentivar novas maneiras de se comunicar – sobretudo na esfera profissional. Em vários casos, uma simples intervenção já pode levar a mudanças positivas. Por exemplo, ao substituir palavras masculinas ou femininas por expressões neutras (como “pessoa”, “gente” e “colega” no lugar de “homem” ou “mulher”). Ou ao suprimir artigos e pronomes, usando simplesmente “por” em vez de “pelo/pela” e deixando nomes sem acompanhantes (“Pablo começará amanhã na empresa” em vez de “O Pablo começará amanhã na empresa”). Conforme aponta a perita Caldas-Coulthard, essas e outras alternativas linguísticas estão sendo sugeridas para que pessoas não binárias ou com identidades diversas de gênero sejam incluídas e reconhecidas.
Comunicação integrativa
Como uma empresa 100% dedicada ao ensino de idiomas, a Babbel se mantém sintonizada no Brasil e no mundo com os atuais desenvolvimentos nesse setor. A empresa reconhece a importância da linguagem inclusiva, promovendo-a ativamente à medida que dá visibilidade a projetos que integram todos através da fala e da escrita. Especialmente em contextos relacionados ao trabalho, sensibilizar o maior número de pessoas para a causa LGBT+ também no âmbito da comunicação diária é uma importante demanda. “A consciência linguística é uma forma de resistência e empoderamento para travestis, pessoas transexuais e não binárias”, enfatiza Caldas-Coulthard, lembrando que “identidades de gênero não têm nada a ver com competências profissionais”. A especialista aponta que muito ainda deve ser feito em relação às formas de representação desses grupos na linguagem, principalmente em discursos institucionais. Mas ao mesmo tempo assegura: “A mudança de práticas linguísticas pode resultar em inclusão e respeito".