Quando for estudar no exterior, fale com todo mundo!

Quanto você for estudar no exterior, não se limite apenas a andar com falantes nativos do idioma local. Outras pessoas estrangeiras, assim como você, também podem ajudar na hora de aprender uma nova língua.
pessoas falando
Ilustrado por Fotini Tikkou

“Há muito o que aprender, linguística ou culturalmente, com os estrangeiros e brasileiros que também estão se aventurando no país em que você estiver.” Gabriel Bonis. 

Na noite em que cheguei a Londres, dias antes de começar o meu mestrado, percebi que tinha caído em um golpe. O quarto temporário que havia reservado em uma “república charmosa” não se assemelhava em nada às fotos do site de hospedagem recomendado pela universidade. E, depois de um trajeto de táxi de mais de uma hora do aeroporto, deu para notar que o endereço era mais longe do centro do que o GPS me fez acreditar. Ao ver minha cara faminta e surpresa em frente a uma casa para lá de capenga em uma viela escura às 11 e pouco da noite de um sábado de agosto, o taxista deu a marretada final na minha inocência. “Toma cuidado com essa vizinhança. Não fique a essa hora na rua porque é perigoso”, ele disse, ao colocar minhas duas malas de 32 quilos cada na calçada.

Meu roteiro tão bem planejado no Brasil tinha falhado e me deixado vulnerável em um local desconhecido. A “república” estava mais para um cortiço. Como aquele site estava no guia da minha universidade, é uma dúvida que ainda tenho. Tranquei-me no quarto e pensei no que fazer. Então, lembrei que um amigo brasileiro havia chegado em Londres algumas semanas antes. Pedi ajuda e ele me levou, na manhã seguinte, a um hostel estudantil seguro e bem localizado na região de Oxford Circus.

Conto essa história para recusar absolutamente uma lógica que muita gente adota por aí quando chega ao exterior: a de evitar brasileiros e estrangeiros por medo de eles “atrapalharem” o seu aprendizado linguístico e a sua imersão completa no país. Pois é, pura ignorância. Meu amigo brasileiro me ajudou naquele dia, me deu várias dicas nas semanas seguintes e, de quebra, ainda me apresentou a algumas pessoas maneiras.

Eu não tinha nenhuma intenção de me isolar dos meus conterrâneos em Londres. Mas, em parte, havia decido não ficar na acomodação da minha universidade para experimentar a “vida real” londrina, aquela fora do ambiente acadêmico. Por isso, reservei aquele quarto temporário, até que encontrasse algo perto da faculdade. E essa casa tinha um pré-requisito: ao menos um dos moradores deveria ser um de país cujo inglês fosse a língua nativa.

Apesar de já dominar o idioma antes de mudar para Londres, eu queria falar como os nativos – incluindo as expressões e gírias mais desconhecidas. E, na minha cabeça, só poderia aprender isso com ingleses, australianos, canadenses etc.

Um dos aspectos mais interessantes de viver no exterior é ser exposto a diferentes culturas, o que, por sua vez, ajuda a dissipar muitos prejulgamentos. E achar que se aprende inglês apenas com falantes nativos foi algo que abandonei logo de cara. Ainda bem!

Acabei tendo que escolher entre um flat com australianos e outro super diverso (com uma portuguesa, uma italiana, duas espanholas e um holandês). Fiquei com a segunda opção, fiz bons amigos e aprendi até uma penca das gírias mais obscuras do vocabulário britânico.

Inglês em casa e na rua

Em casa, quase todos éramos estudantes de mestrado. E todos éramos fluentes em inglês, o que nos permitiu continuar a evoluir linguisticamente uns com os outros. Aqueles que moravam no Reino Unido há mais tempo, sempre soltavam alguma expressão “inédita” e eu tinha a possibilidade de perguntar o que aquilo significava. Também consegui melhorar meu vocabulário e a construção das minhas frases ao observar meus flatmates.

Claro que como não nativos, cometíamos alguns erros gramaticais. Mas eu sabia muito bem identificar quando cometia esses deslizes. Vez ou outra,  também não sabíamos o nome de algum utensílio doméstico, por exemplo. Nessas horas, acabávamos falado na nossa língua mesmo e, quase sempre, era a mesma coisa em espanhol, italiano e português (em holandês era sempre algo bem impronunciável). Esses episódios me ajudaram a memorizar os termos em inglês para aqueles objetos porque os tinha simplesmente pesquisado no Google Tradutor.

Por outro lado, estar no mestrado foi fundamental para aperfeiçoar o meu conhecimento e versatilidade no idioma. No ambiente acadêmico, era exposto a professores e alunos  falantes nativos que exigiam o máximo da minha habilidade linguística para que eu me expressasse de forma complexa.

A combinação entre academia (que também pode ser experimentada em um curso normal de inglês) e flatmates que se esforçavam para falar um inglês correto em casa funcionou muito bem para mim. Não precisei me cercar apenas de falantes nativos para aperfeiçoar meu domínio do idioma.

Ao ser exposto aos erros alheios, você percebe os seus

Quer dizer então que morar ou conviver bastante com quem não fala um inglês lá muito bom vai prejudicar você ? Não necessariamente. Depende muito de cada um. Se você focar em falar sempre o seu melhor inglês, prestar atenção em tudo o que diz e estudar a gramática direitinho, é possível até se beneficiar com os erros dos outros.

Quando você sabe a gramática e tem um vocabulário amplo, é capaz de perceber na hora em que alguém conjuga o verbo no tempo errado ou usa uma estrutura meio estranha. Isso pode ajudar a não cometer os mesmos deslizes que você escutou. Mas é preciso estudar e ler bastante para entender as regras do idioma.

Um benefício semelhante ocorre ao se passar muito tempo conversando com nativos. Percebe-se como eles constroem as sentenças, os verbos que utilizam, as expressões, os sotaques. Depois, é só incluir esses pequenos detalhes na sua fala.

Ou seja, se você estiver comprometido a aperfeiçoar (ou aprender) um idioma, vai aprender com qualquer pessoa: nativa ou imigrante.

Nativos não vão corrigir você

Raramente, mas raramente mesmo, algum falante nativo vai corrigir você em uma conversa. A não ser que você diga algo muito errado ou que não faça sentido.

Ainda que você peça aos seus amigos falantes nativos para corrigirem você, em geral, eles vão evitar fazê-lo com frequência (ao menos em público). Isso porque pode ser bem rude e meio patronising. E também porque não é obrigação deles. Além disso, a maioria das pessoas está satisfeita em manter uma conversa e se elas entenderem você, os erros pouco importam. Elas sabem que você não é nativo.

Em geral, você vai ouvir um “say that again” ou um “I didn’t get that”. É uma dica de que alguma palavra usada era meio estranha/inexistente ou que sua pronúncia precisa melhorar.

Imagina se a maioria das pessoas vai corrigir um gringo tentando conjugar um verbo no pretérito mais-que-perfeito composto se você conseguiu entender o que ele quis dizer mesmo que errado. É igual quando você é o gringo.

Isso, contudo, não quer dizer que você deve relaxar e ignorar seus erros. Só é preciso estudar por conta própria para corrigi-los e prestar atenção quando eles escaparem. Uma dica: se você percebeu que falou algo errado, não deixe que a sentença fique incorreta, corrija-a imediatamente.

Já os amigos não nativos (ao menos os meus) não costumam perder o bonde da correção/questionamento. Se eu disser algo errado perto deles, alguém vai me corrigir para não me deixar passar vergonha (e por entender que aprender um idioma é algo constante e que todos estamos nesta estrada, inclusive os nativos). No melhor dos cenários, eles ao menos perguntariam o significado daquela palavra/expressão e onde a ouvi.

Além disso, dependendo do país/cidade (no caso de Londres), falantes nativos não costumam ter paciência para explicar muita coisa sobre a língua local. Eles presumem que você compreende o que se passa ao seu redor e vão esclarecer o mínimo possível.

Falantes nativos ensinam você a usar o idioma nas formas mais incomuns e interessantes, mas não é preciso se cercar deles o tempo todo para aprender. Outros estrangeiros também podem ensinar muito, inclusive como utilizar a língua de forma criativa quando você esquecer como se diz algo.

Viver no exterior é se abrir para diversas culturas

Morar fora do Brasil é se abrir para outras culturas, não apenas aquela do país para o qual você se mudou. Então, esforce-se para aperfeiçoar o idioma e aprender a cultura local, mas não se limite a essas duas coisas. Conheça as línguas dos seus amigos/colegas e vá a restaurantes com comidas típicas de outros países, por exemplo. Essas também são experiências enriquecedoras.

Evitar brasileiros? Não cometa esse erro!

Parece mentira, mas muito brasileiro ignora os seus conterrâneos no exterior. Essa é das coisas mais provincianas possíveis.

É sempre bom fazer conexões, seja com brasileiros ou estrangeiros. Mas, ao menos para mim, sempre foi interessante ter brazucas para me ajudar a adaptar ou me divertir no exterior. Ninguém vai entender melhor aquela vontade de comer pão de queijo e bolo de fubá, ou vai contar sobre aquele mercado escondido onde você pode comprar tapioca.

Caso o seu problema seja não querer cair na preguiça de falar português, basta incluir sempre algum gringo no rolé com brasileiros. Assim, você pode falar em inglês o tempo todo.

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