Por que eu adoro falar alemão

Motivos para aprender alemão não faltam, mas muitos se deixam desanimar diante das dificuldades que fazem a fama desse idioma. O que eles não sabem é que falar alemão também pode ser muito divertido!

Ilustrado por Denis Fracalossi

Tanja, wo bist du?• Hier, ich bin hier.

Assim que a Frau Erdmann terminou de transcrever na lousa o diálogo recém-ouvido da fita cassete, o pequeno nerd, intrigado, levantou a mão e perguntou: “Professora, essa letra depois n é um j?”.

“Isso mesmo, Denis. Em alemão, o j tem som de i.” Essa foi a primeira das inúmeras descobertas que eu viria a fazer ao longo dos anos… e anos… e anos… seguintes dedicados ao estudo desse idioma tão peculiar.

Oscar Wilde teria dito que a vida é muito curta para aprender alemão. Difícil não concordar com ele! Qualquer pessoa que já tenha embarcado nessa empreitada sabe estimar quão pedregoso pode ser o caminho rumo ao domínio da língua. No entanto, até que ponto será que isso também não se aplica a outros idiomas (inclusive à nossa própria língua materna) ou mesmo a outros campos do conhecimento?

O que eu quero dizer é que, para além de uma tarefa árdua, aprender alemão pode ser também muito prazeroso, sobretudo pensando nas descobertas todas que podemos fazer. A seguir, apresento alguns motivos pelos quais eu adoro esse idioma.

 1. O trema

Para a tristeza de muitos revisores e demais profissionais do texto, o Acordo Ortográfico de 2012 extinguiu o trema da língua portuguesa. Uma pena! Além de simpáticos, aqueles dois pinguinhos em cima do u tinham, a meu ver, uma função bastante lógica: eles indicavam que o u deveria ser pronunciado na leitura de certas palavras.

Por coincidência, foi quando a lingüiça virou linguiça que eu me mudei para a Alemanha — e não precisei dizer adeus a esse sinal gráfico que eu tanto adoro. Tremas são tão comuns por essas bandas que às vezes é possível encontrá-los mais de uma vez na mesma palavra: Übergrößenträger, Käsegebäckfüllung… Assim como quando existiam no português, os tremas em alemão também dão às letras sinalizadas (que, no caso, podem ser o a, o o e o u) uma pronúncia diferente. É essa alteração no som (um processo metafônico) que recebe o nome de Umlaut.

2. Escrita fiel à pronúncia

Você pode até duvidar do que vou dizer agora, mas a verdade é que poucos idiomas são tão fáceis de ler quanto o alemão. Como assim? Vou dar um exemplo: a letra x em português pode ser lida de diferentes formas, como em exame, táxi e enxada. Com o c acontece a mesma coisa: na palavra casa ele tem um som (fonema); em cebola, um outro bem diferente. Para conseguir ler corretamente palavras que contêm x ou c, você precisa conhecer sua pronúncia de antemão. No inglês acontece algo parecido. O y ora é lido como ai, ora é lido como i: my enemy. E esse é só um dos exemplos!

Já no alemão, não tem mistério: a grafia de uma palavra representa de maneira bastante fiel a sua pronúncia. Se você conhece o som das letras do alfabeto alemão, é muito mais fácil pronunciar palavras desconhecidas. As únicas “exceções”, se é que podemos falar assim, ficam por conta de alguns ditongos: “eu” é lido como “ói” (Deutsch), “ei” é lido como ai (meine), “ie” é lido como ii (Brief). Quando aparecem juntas, essas vogais são sempre pronunciadas do mesmo jeito.

3. O ß guerreiro

Muita gente costuma achar que essa letra é um beta, importada do alfabeto grego. Mas não! O ß (Eszett) nasceu na Idade Média da união entre as letras s e z e tem sobrevivido aos trancos e barrancos até os dias de hoje no alfabeto alemão. Na Suíça e em Liechtenstein, por exemplo, ele foi substituído por ss. Gosto do ß por ser uma letra exclusiva do alemão — são pouquíssimos os casos de alfabetos latinos que contêm letras remanescentes de outros alfabetos.

4. Língua-Lego

Além de contar com uma letra exclusiva em seu alfabeto, outra característica marcante do alemão é a existência de palavras gigantes, tais como Fußbodenschleifmaschinenverleih, Schwangerschaftsvorbereitungskurs e por aí vai… Apesar de parecerem ilegíveis à primeira vista, na verdade esses pequenos monstros nada mais são do que palavras grudadas umas às outras, formando um vocábulo de sentido único: aluguel-de-máquinas-de-lixar-o-chão, curso-preparatório-para-gravidez.

Essa espécie de Lego linguístico pode ser aplicado também à ordem em que as palavras aparecem em uma frase. Logo nas primeiras aulas de alemão, aprendemos que o verbo costuma ocupar um lugar fixo na maioria das frases: a segunda posição. Ao redor dele giram pronomes, advérbios, objetos diretos, indiretos… Por exemplo: Heute fahren wir mit dem Zug (Hoje nós vamos de trem) ou Wir fahren heute mit dem Zug. Essas duas frases estão igualmente corretas, já que o verbo (fahren) foi mantido na segunda posição. Outra possibilidade seria Mit dem Zug fahren wir heute, em que mit dem Zug deve ser entendido como uma única peça (no caso, uma locução adverbial de modo).

Porém, existem certas palavras (algumas conjunções) que têm o poder de deslocar o verbo para o final da frase: Ich weiß, dass wir heute mit dem Zug fahren (Eu sei que hoje nós vamos de trem). Isso tudo sem falar que existem ainda verbos chamados “separáveis” (trennbare Verben), em que o prefixo se separa do resto da palavra e pode aparecer em lugares inusitados da frase. É como se pudéssemos separar o verbo “desligar” em duas partes (des/ligar) e mandar o “des” para algum outro canto da frase, mantendo a parte principal do verbo no lugar em que ela deve ficar: Eu liguei a televisão des. Ou seja, em alemão estamos sempre brincando de montar e desmontar.

5. Um novo jeito de ver as coisas

Quem aprende um novo idioma sabe exatamente o quanto essa experiência nos possibilita enxergar o mundo de uma outra forma. Com o alemão, não é diferente! São inúmeras as palavras nesse idioma que me mostraram as coisas de um novo jeito. Eu nunca tinha percebido, por exemplo, a semelhança entre focas e cachorros até aprender que a palavra alemã para foca é Seehund (cachorro do mar, em tradução literal). Outra palavra que eu acho interessante é Schluckauf, que quer dizer soluço (ou, ao pé da letra, gole para cima). Luvas são Handschuhe (sapatos para as mãos), lâmpada é Glühbirne (pera que brilha), algodão é Baumwolle (lã da árvore) e por aí vai…

6. Alemão faz amigos

Uma das lembranças mais antigas que tenho de quando comecei a aprender alemão é de um pôster colado em uma das paredes da sala de aula no qual se lia: “Alemão faz amigos”. Naquela época, eu mal poderia imaginar que um dia moraria na Alemanha, que escreveria uma dissertação de mestrado em alemão e teria um emprego por aqui. No entanto, mais importante do que tudo isso, foram, sem dúvida, as pessoas que eu pude conhecer nesse tempo todo graças ao fato de falar alemão. E não só na Alemanha! Foram várias as situações em que o alemão (e não o inglês) acabou sendo o idioma que possibilitou me comunicar com outras pessoas. E, mesmo no Brasil, alguns dos meus melhores amigos eu conheci justamente por causa do alemão! Afinal, como são poucos os que não se deixam intimidar diante das dificuldades desse idioma, nada mais natural que surja uma espécie de cumplicidade entre eles. Zum Glück!

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Denis Fracalossi

Denis Fracalossi nasceu em São Paulo e se formou em editoração pela ECA-USP. Após passar por diversas editoras e agências de publicidade, estabeleceu-se como tradutor, atividade em que pode exercitar sua paixão por idiomas. Essa mesma paixão, combinada com seu interesse por viagens e sociedades, o levou a deixar o Brasil em 2012 e se aventurar por novas paragens. Atualmente, reside na Alemanha, onde se tornou mestre em edições pela Freie Universität de Berlim.

Denis Fracalossi nasceu em São Paulo e se formou em editoração pela ECA-USP. Após passar por diversas editoras e agências de publicidade, estabeleceu-se como tradutor, atividade em que pode exercitar sua paixão por idiomas. Essa mesma paixão, combinada com seu interesse por viagens e sociedades, o levou a deixar o Brasil em 2012 e se aventurar por novas paragens. Atualmente, reside na Alemanha, onde se tornou mestre em edições pela Freie Universität de Berlim.