Ilustrado por Olivia Holden
Estudar na Inglaterra é atraente por muitos motivos. Existem os aspectos culturais, já que o Reino Unido foi casa de muitos artistas famosos, como as bandas Queen, The Beatles, Pink Floyd, Sex Pistols, The Clash, escritores do quilate de William Shakespeare, J. K. Rowling, J. R. R. Tolkien, George Orwell e Virginia Woolf, e, a possibilidade de aprender inglês em metrópoles como Londres, Manchester ou Liverpool é fenomenal.
Existem também razões, digamos, mais pragmáticas: o país possui dezenas de universidades entre as 200 melhores do mundo, os preços de cursos de nível superior são bem mais competitivos que nos EUA, a qualidade de vida é elevada e a boa conectividade com a Europa continental é um convite para explorar a região em voos de baixo custo.
Mas vale a pena fazer um intercâmbio no Reino Unido? Abordo neste texto algumas das minhas experiências durante os anos que morei no país para o meu mestrado e a trabalho. Como não dá para falar sobre todos os aspectos da minha vida em solo britânico, foquei naqueles que ao estudar você deveria prestar mais atenção.
Espero que essas informações ajudem você na hora de escolher o Reino Unido para o seu intercâmbio, ou a se adaptar melhor no país caso a decisão já tenha sido tomada!
Estudar na Inglaterra: cursos de graduação, mestrado e doutorado
O Reino Unido é um dos locais mais tradicionais do mundo para estudos de nível superior e pesquisa acadêmica/científica. O país fica apenas atrás dos EUA na quantidade de estudantes de outros países em suas universidades, com 442,375 alunos registrados em 2016/2017, segundo o UK Council for International Student Affairs.
E como funciona o processo de seleção? Isso pode variar conforme a universidade, mas não é comum fazer um vestibular como no Brasil. As instituições seguem critérios mais subjetivos, como análise de desempenho acadêmico, currículo e projetos pessoais, para decidir quem será aceito.
Quem tem interesse precisa se candidatar pelo site da universidade e seguir as orientações do processo. Serão solicitadas traduções juramentadas para o inglês de históricos escolares. Logo, se prepare para cobrir esses custos.
Quem almeja uma vaga em cursos de graduação (undergraduate studies) deve apresentar o histórico do ensino médio com os nomes das disciplinas cursadas, cargas horárias e notas finais. Quem tiver interesse em um mestrado, precisa oferecer apenas o histórico da graduação. Já para um curso de doutorado se deve mostrar históricos de graduação e mestrado. Se você possui mais de uma graduação e/ou mestrados, deve enviar todos esses históricos porque o desempenho acadêmico é crucial para a seleção.
As universidades também exigem o envio de ao menos duas (em alguns casos até quatro!) cartas de recomendação apoiando a sua inscrição no curso/instituição.
O ideal é pedir para docentes que acompanharam os seus estudos escreverem esses documentos. Também é possível incluir uma carta de uma empresa, desde que seja relevante. Por exemplo: você trabalha no departamento de engenharia de uma empresa de inteligência artificial e desenvolveu diversas técnicas inovadoras incorporadas pela companhia. Seria muito interessante que seu/sua chefe escrevesse uma das recomendações, falando sobre suas habilidades e potencial no mercado de trabalho.
A dica mais comum é conseguir duas cartas acadêmicas e uma profissional (caso você tenha alguma experiência relevante). Então, já comece a caçar os contatos daquele seu professor favorito e vá importunar o seu/sua chefe (ou ex-chefe). As cartas não precisam ser longas, mas devem destacar as suas habilidades e potencial acadêmico/profissional.
Você também vai precisar enviar um currículo completo e escrever uma redação bem pessoal, incluindo suas conquistas, planos para o futuro e a razão para ter escolhido seu curso e universidade. Escreva com honestidade, explique como aquela instituição é a opção que melhor atende às suas necessidades.
Para isso, se esforce e faça uma ampla pesquisa sobre o curso/a universidade. Mostre que você realmente quer estudar naquele lugar e que não está enviando a mesma carta para 15 universidades diferentes. Dois pontos importantes: 1) peça para as suas referências citarem cada universidade/curso nominalmente – isso evita que elas pareçam muito genéricas; 2) revise todos os materiais submetidos para garantir que o nível do inglês neles será o melhor possível. Inglês incorreto diminui (e muito) as suas chances de ter sucesso na seleção.
E falando em inglês ruim, você vai precisar apresentar um atestado de fluência caso nunca tenha estudado em inglês em tempo integral (curso de idiomas não vale!). As pontuações podem variar de acordo com a universidade e os cursos. Por isso, é importante conferir os pré-requisitos de entrada na página do seu curso.
Geralmente, as universidades britânicas aceitam como avaliação os testes TOEFL (saiba mais aqui) e IELTS Academic (tem que ser a versão acadêmica e não a geral – mais informações aqui).
Programe-se para realizar esses testes, pois eles não acontecem com tanta frequência. As provas são aplicadas em diversas cidades. Os resultados também podem demorar até 15 dias para sair. Algumas universidades aceitam pré-candidaturas sem o TOEFL/IELTS, mas exigem o envio do resultado antes de oferecerem uma vaga.
Detalhe: esses testes custam caro. O IELTS sai por R$ 965,00 e o TOEFL por R$ 834,00!
Estudar na Inglaterra: qualidade e preços
Universidade de Cambridge, Universidade de Oxford, LSE, King’s College, Imperial College London, UCL e Universidade de Edimburgo são apenas algumas das diversas instituições de ensino superior de renome que estão no Reino Unido. Você pode conferir as posições delas nos rankings internacionais QS Top Universities e Times Higher Education (THE).
Além da qualidade, os preços são um dos atrativos para graduações, mestrados e doutorados no país. As anuidades variam em cada universidade e curso, mas costumam ser muito mais baratas do que em instituições renomadas dos EUA.
Apenas como exemplo, o curso de Medicina na Imperial College London (8ª e 9ª melhor universidade do mundo, respectivamente, no QS e THE) custa 41 mil libras por ano (203 mil reais) para estudantes não europeus.
Estudantes locais e da União Europeia (UE) pagam cerca de 9,3 mil libras por ano (46 mil reais). Se você tem passaporte europeu, não se anime muito. Isso não é garantia de que a sua anuidade será menor. Normalmente, você precisa ter morado em algum país da UE e pagado impostos por ao menos três anos para se qualificar ao valor “com desconto”.
Nos EUA, o mesmo curso na Universidade de Johns Hopkins (21ª na QS e 12ª na THE) sai por 53,4 mil dólares por ano (207 mil reais). Esse valor não inclui custos com plano de saúde, livros, viagens, acomodação etc. A universidade estima as despesas do curso + indiretas em até 82,3 mil dólares por ano (318 mil reais).
Cursos de Medicina têm preços elevados, mas estudos em outras áreas são mais acessíveis. Em Política e Economia, por exemplo, as anuidades giram em torno de 14 mil e 25 mil libras por ano (69 mil e 123 mil reais respectivamente) para estudantes não europeus.
Por experiência própria, as despesas de custeio no Reino Unido não são exorbitantes. Em Londres os gastos com aluguel são elevados, mas o restante é “pagável”. É possível viver bem com com 15 mil libras por ano (74 mil reais) por pessoa.
Cursos de inglês
Caso você queira apenas estudar na Inglaterra um curso de inglês, não estará só nessa jornada. Segundo o British Council, cerca de 500 mil pessoas viajam ao Reino Unido todos os anos para estudar o idioma local.
Com tamanha demanda, há inúmeras escolas disponíveis. Logo, é importante checar se a instituição escolhida foi reconhecida pelo British Council. Esse “selo” do governo britânico garante a idoneidade e padrões mínimos de qualidade nos cursos, além de ser pre-requisito para o visto de estudante. Aqui está a lista de escolas aprovadas.
Você pode optar por estudar em escolas especializadas apenas no ensino de idiomas ou nos centros de línguas de universidades. Os preços variam de acordo com a carga horária e duração dos cursos.
Onde morar: acomodação
Escolher onde morar é um aspecto a ser considerado com atenção, pois essa decisão vai influenciar a forma como você experimenta o seu intercâmbio. Por exemplo, quem for estudar na Inglaterra um curso de nível superior costuma ter duas opções: 1) viver em acomodações subsidiadas pela universidade; 2) procurar uma acomodação privada.
A primeira opção tem entre os seus benefícios a possibilidade de morar perto da universidade (às vezes até mesmo dentro do campus) e em casas de qualidade razoável, bem localizadas e por um aluguel bem abaixo do preço de mercado. Contate a sua universidade para mais informações sobre esse tipo de acomodação.
Por outro lado, esse tipo de moradia por ser uma experiência, de certa forma, isoladora. A tendência é que a maior parte dos seus vizinhos seja de estudantes, o que pode arrastar você para uma bolha de pessoas com perfil semelhante e/ou desconectadas da realidade local.
É claro que você pode se esforçar para construir relações fora do universo acadêmico, mas considere que os estudos vão consumir a maior parte do seu tempo. O cansaço pode reduzir a sua energia para buscar amizades externas e, talvez, você se contente mesmo com estudantes do apartamento ao lado. Mas estou apenas especulando!
Outro ponto a analisar é que as acomodações das universidades exigem o pagamento integral do aluguel no começo de cada semestre. Então é preciso ter esse dinheiro disponível de imediato.
Durante o meu mestrado em Londres, optei por buscar uma acomodação no mercado privado porque queria morar com pessoas que levassem uma vida normal, fora da academia. Isso me ajudou muito a expandir meus horizontes culturais e a experimentar mais de perto a realidade do país. Não me arrependo, pois conheci muita gente interessante e fiz amizades duradouras.
O lado negativo dessa escolha é que os aluguéis são mais caros (pagos a cada mês, mas calculado por semana), talvez você precise de um fiador (se tiver renda considerada insuficiente) e pode ser uma missão impossível encontrar uma acomodação de boa qualidade e bem localizada que caiba no orçamento. Em Londres, essa tarefa é uma tortura!
Há agências imobiliárias que oferecem aluguéis de quartos ou de imóveis inteiros. Normalmente, você vai precisar dos seguintes itens para fechar um contrato: comprovante de trabalho com rendimentos especificados/comprovante de renda, passaporte com visto válido para o período do aluguel, taxas da agência, um mês de aluguel adiantado e um depósito calção cujo valor varia (costuma ser quatro semanas de aluguel) e que ficará retido até o fim do contrato para cobrir eventuais danos na propriedade.
Para quem quiser fugir de taxas e agências imobiliárias, há sites como Spare room, Spot a Home e Right Move – evite o Gumtree a todo custo, nunca achei nada além de golpistas lá! Preste atenção em scams: nunca faça nenhum depósito antes de visitar a propriedade e de assinar/registrar o contrato!!
Quem se interessar apenas por um curso de inglês no Reino Unido pode ter as opções de acomodação mais limitadas. Em geral, as escolas oferecem estadia em “casa de família” ou residência estudantil.
A primeira opção é um mergulho de cabeça na vida/cultura local e vai forçar você a praticar inglês o tempo todo. Contudo, você precisa entender que vai morar na casa de alguém. Ou seja, terá que seguir as regras dos seus anfitriões. Já a residência estudantil é um ambiente mais livre, mas sem o mesmo nível de interação com a população local.
Caso o seu curso de inglês tenha duração inferior a 12 meses, você vai enfrentar dificuldades para alugar um quarto/casa por conta própria e precisará provar que possui recursos para cobrir todo o contrato. Além disso, quanto menor a estadia, mais caro o aluguel.
Vistos para estudar na Inglaterra
Segundo o Home Office, quem é do Brasil e vai fazer cursos de até seis meses não precisa solicitar visto para estudar na Inglaterra. Contudo, é preciso apresentar no momento de entrada no país documentos provando que você tem uma matrícula em uma instituição de ensino validada pelo governo britânico, que possui os recursos para se manter no país e retornar ao Brasil, que pretende deixar o Reino Unido ao fim do curso e detalhes de onde pretende ficar. Menores de 18 anos devem apresentar autorização dos pais ou guardiões.
Para cursos acima de seis meses é necessário solicitar um visto de estudante. No Reino Unido, há a opção de um visto de estudo temporário, sem acesso ao mercado de trabalho, ou o Tier-4, mais comum para estudantes de nível superior e que permite trabalho por uma quantidade limitada de horas semanais. Informe-se junto às autoridades britânicas sobre qual é a melhor opção para o seu caso.
Quem possui cidadania de algum país da UE não precisa de visto. Entretanto, a saída do Reino Unido da UE pode alterar esse cenário em breve.
Posso trabalhar enquanto estudo?
A resposta pode variar conforme o caso, mas em suma: depende do visto. Estudantes com o Tier 4 têm autorização para trabalhar até 20 horas semanais, incluindo emprego remunerado e voluntário. Durante as férias, a carga horária sobe para até 40 horas por semana. Algumas universidades impõem restrições extras a estudantes.
Há ainda diversas limitações em relação aos tipos de emprego autorizados. Não é permitido trabalho autônomo, abrir negócios, vínculo em tempo integral, trabalhos como esportista profissional etc.
Vistos de curta duração ou de turismo não permitem nenhuma atividade de trabalho.
O sistema de saúde britânico
Assim como o Brasil, o Reino Unido possui um sistema de saúde público. O NHS é considerado um patrimônio nacional, sendo utilizado pela maioria da população.
Os estudantes com Tier 4 ou que fiquem no Reino Unido por mais de seis meses precisam pagar durante a solicitação do visto uma immigration health surcharge, uma taxa de 150 libras por ano de duração do visto (o valor aumentou para 300 libras por ano a partir de dezembro de 2018). Dependentes também pagam essa taxa.
O visto Tier 4 garante acesso gratuito a maior parte dos serviços de saúde do NHS, como visitas ao clínico geral (General Practitioner ou GP), Centro de Saúde ou hospitais. É comum ter que pagar por tratamento dentário e óptico, assim como por medicamentos e “tratamentos discricionários particularmente caros”.
Em muitos aspectos burocráticos, o NHS se parece com o SUS. Por exemplo, estudantes precisam se registrar junto ao GP mais próximo para receberem um cartão de saúde. Normalmente, as universidades possuem um site para ajudar estudantes a realizarem esse cadastro inicial.
O NHS, contudo, opera em uma rede integrada de informação. Desta forma, mesmo que você use um posto de saúde diferente daquele do seu registro (que tende a ser o mais próximo do seu endereço), as informações da sua consulta serão enviadas ao GP. Dependendo da clínica, você pode não ser atendido se estiver fora do seu distrito.
O histórico médico de cada paciente fica disponível no sistema. Mas o seu GP é, em tese, responsável pelo seu acompanhamento em caso de gravidez ou doenças crônicas, por exemplo.
Hospital? Só se for emergência!
Ao contrário do Brasil, na Inglaterra as pessoas não correm para o hospital em qualquer situação. Em casos não urgentes, como gripes ou dores, o normal é ligar para o seu GP e marcar uma consulta – que pode até acabar sendo no mesmo dia.
Em situações de maior desconforto, como uma possível fratura não grave, procure no site do NHS pequenas clínicas de bairro (certamente há uma perto da sua casa!). Utilizei-as apenas duas vezes, uma delas quando cortei minha mão com uma tesoura enferrujada e precisei limpar o ferimento, além de receber uma vacina antitetânica. O atendimento foi super simples e rápido.
Essas clínicas possuem estrutura razoável (algumas até fazem exames e lidam com emergências), mas as filas podem ser longas a depender do dia/horário. De toda forma, serão bem menores do que as da emergência de um hospital.
Outra coisa estranha para alguns brasileiros é que, em geral, não dá para pedir uma consulta com um médico especialista direto em uma unidade de saúde. Acha que precisa de um otorrino ou dermatologista? Vai ter que passar antes no seu GP, que decidirá se encaminha ou não o seu caso a um especialista!
Essa é uma forma de economizar recursos e não sobrecarregar ainda mais os especialistas do NHS. Uma exceção importante são as clínicas de saúde sexual, que fornecem tratamentos imediatos, exames para doenças sexualmente transmissíveis, preservativos e conselhos sobre o tema.
Mais uma diferença para algumas partes do Brasil é que se o seu caso não for grave, você vai ser atendido por profissionais de enfermagem, que podem solicitar exames e receitar medicamentos básicos.
Ah, caso você tenha mania de pedir exames em toda consulta, pode esquecer! O NHS é focado em poupar recursos com gastos desnecessários. Então você não vai fazer um exame só porque quer!